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O que aprendi com um chefe

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Em artigo, o analista Leandro Mazzini relembra a experiência que teve com Ricardo Boechat. Ele foi chefiado pelo “Mestre do Jornalismo” no início dos anos 2000 no Jornal do Brasil

Ricardo Boechat foi meu primeiro chefe no antigo Jornal do Brasil. No início dos 2000, tomei coragem de entrar na sua sala certa tarde na redação da Avenida Rio Branco e sugeri uma nota exclusiva. Ele atento ao estagiário com voz trêmula (eu, assistente de conteúdo, um cargo qualquer entre estagiário e repórter). Demorei uns oito minutos para explicar a notícia, e ele, maestro, conseguiu resumir tudo em duas linhas no dia seguinte.

Lembrou que a boa nota de coluna tem que ter duas linhas, para mostrar que você sabe de algo. Até hoje, não aprendi. Meses depois, emplaquei – por decisão dele – uma matéria de capa no JB, com minha assinatura. Ter o registro na capa era como ser lembrado pelo técnico da seleção brasileira de futebol numa convocação). Durante cinco meses, eu (o assistente de conteúdo ainda) apurara, por telefone, uma história sobre “O Dia do Orgasmo de Esperantina (PI)”.

“Boechat era inquieto, elétrico, apurador. Era capaz de tirar do bolso um bloquinho e conversar com um “flanelinha” para pegar exclusiva”

Para a pauta, encontrei dona Raimunda, a prostituta que deitou com 5 mil homens; o dono da farmácia, que aumentou a venda de preservativos; o dono do motel, que comprou a primeira banheira de hidro para a data; o vereador corno que estimulou a lei. No dia seguinte, Boechat gostou da reportagem, mandou a direção me contratar, e tornei-me repórter oficialmente. Anos passaram, vim para Brasília, assinei por quatro anos o ‘Informe JB’, pelo qual ele passara.

O lembrei disso certa ocasião por e-mail. Uma reverência, apenas. Fato é que num acidente ridículo, inimaginável, que renderia uma nota surreal para sua coluna (já viram uma carreta atropelar um helicóptero desgovernado?), o Brasil perdeu a sua mente brilhante do jornalismo contemporâneo. Boechat era inquieto, elétrico, apurador. Era capaz de tirar do bolso um bloquinho e conversar com um “flanelinha” para pegar exclusiva. Tratava a todos sem distinção. Um olhar atento do cotidiano.

Todos nós – repórter, leitor, telespectador, ouvinte – temos uma história com ele. Vai fazer falta demais em nossas vidas cotidianas.

A nota

Ronaldo Herdy, o veterano repórter e auxiliar dele, foi testemunha da minha narrativa eufórica para o chefe: o caso foi sobre um caminhoneiro que fora assaltado na Av Brasil. Traficantes levaram seu caminhão para uma favela, onde ele ficou preso num quarto com ar condicionado, água e café, durante o saque da carga. Quando os bandidos o libertaram, avisaram onde encontraria o caminhão e, um detalhe: tudo estaria no devido lugar na cabine. Se alguém tivesse levado o rádio, seria a Polícia, alertou o traficante. Boechat deu a nota com a conhecida maestria de poucas linhas, e o deboche necessário para a situação surreal.

O prédio balançou

Em 2002, num plantão de domingo, estávamos em meia redação ocupada no prédio da Av. Rio Branco; a repórter Isabel Clemente sentiu o prédio tremer. Todos foram aos risos, mas em seguida , com o segundo tremor, desceram correndo – teve gente por elevador, outros por escada. Fato é que uns 10 jornalistas se enfileiraram sentados na calçada, embaixo do prédio. Foi quando Boechat chegou de carona numa Land Rover, com o eterno jeito do paletó nas costas e livros nas mãos, olhou para o grupo, espantado, e gritou lá do outro lado: “O que é isso, é greve?”. Risos à parte, após ciência do ocorrido, ele mandou todos subirem. Em suma, se tivessem que morrer, que fosse heroicamente na redação, fechando um jornal com notícias, e não como imbecis sentados debaixo do próprio prédio suspeito de desabar. Descobrimos, depois, que os estrondos foram problemas da central de ar condicionado do edifício.

O livro

Boechat, já na rádio Band, citou o lançamento nacional do meu segundo livro de crônicas, o “Corra que a política vem aí” (Litteris Editora), com prefácio do mestre Carlos Heitor Cony e apresentação de outro mestre do jornalismo, Murilo Mello Filho – ambos os imortais cederam, gentilmente, suas penas para este pobre escriba. Boechat gostou do título, e numa troca de e-mails eu, o aprendiz, o agradeci pelo espaço na mídia, o prometendo um exemplar. Ele, astuto, foi mestre mais uma vez: disse que não mandaria o endereço porque autor tem que vender livro, e já encomendara o dele na livraria.

Brasil perde Ricardo Boechat:

***

Por Leandro Mazzini. Escritor, jornalista, pós-graduado em Ciência Política pela UnB, editor da Coluna Esplanada.

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