Sob condições adversas, o jornalismo se readaptou. E deverá passar por mudanças ainda maiores em 2020. Essa é aposta dos jornalistas e pesquisadores brasileiros convidados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e pelo Farol Jornalismo para projetar os caminhos que a profissão deve seguir no próximo ano. O especial O jornalismo no Brasil em 2020, que reúne dez artigos sobre temas como segurança dos jornalistas, colaboração e empreendedorismo está disponível gratuitamente no Medium.
Nesta quarta edição, o panorama é dos mais complexos. A hostilidade em relação à imprensa, combinada ao contexto político, cria um ambiente de imprevisibilidade para a profissão. As eleições municipais, que irão acontecer no segundo semestre de 2020, também receberam a atenção dos 10 autores desta edição.
Renata Neder, do Comitê para Proteção dos Jornalistas (CPJ), acredita que o próximo ano “será de enormes desafios para a proteção e segurança de jornalistas”. A situação do país, que ocupa a 9ª posição no Índice Global de Impunidade (a edição de 2019 mapeou 13 países em que há cinco casos ou mais de impunidade que envolvem crimes contra jornalistas), pode piorar ainda mais se houver um aumento de casos de assédio judicial e de agressões contra jornalistas.
O agravamento desse problema é abordado no texto de Guilherme Amado, vice-presidente da Abraji e repórter da revista Época. Ele lembra como a mudança no eixo de poder se refletiu em truculência e no dia a dia de quem cobre política em Brasília. Agora que esse tipo de comportamento deixou de ser uma surpresa, espera-se que a imprensa tenha uma posição mais madura diante dos desafios de 2020. O apontamento feito por Amado na edição de 2019 se concretizou: a colaboração cresceu no meio jornalístico, tanto por questões financeiras, quanto para alcançar mais audiência.
Para o editor do Comprova, José Antonio Lima, parcerias entre órgãos de mídia profissionais serão fundamentais “para que o jornalismo continue atuando para preservar o interesse público e para fortalecer as coberturas locais”. Em sua segunda edição, o projeto Comprova, coalizão de mídia que reuniu 24 veículos no país, verificou notícias enganosas sobre políticas públicas do governo federal.
Mais uma vez, a importância do jornalismo local aparece nas análises. O cenário não é promissor, já que seis em cada dez municípios do país não dispõem de informação jornalística local, segundo a versão mais recente do Atlas da Notícia. Mas Nina Weingrill, co-fundadora da agência e escola de jornalismo ÉNois, chama a atenção para uma questão cuja importância transcende a cobertura de cidades e bairros, e questiona a própria definição do jornalismo.
O pesquisador da Unisinos, Rafael Grohmann fala de um tema caro aos jornalistas diante de um cenário de transformação da profissão: empreendedorismo. “Os jornalistas têm se reconhecido como trabalhadores e buscado novas formas de organização do trabalho que confrontem lógicas individualistas”, afirma. Essa mudança de pensamento gera mudanças tanto em veículos pequenos, como em redações tradicionais, segundo o pesquisador.
Paula Miraglia, cofundadora do Nexo Jornal, afirma que em 2020 “o engajamento da audiência ganhará ainda mais centralidade” a partir de três eixos: levar a sério a ideia de comunidade, olhar para novas métricas e cultivar a relação com o público. Para tanto, é necessário identificar e compreender os lugares e as formas usadas pelas pessoas para se informar.
Portanto, “estudar novos canais de distribuição tem sido tarefa necessária para quem produz narrativas”, escreveu Ana Naddaf. A diretora de conteúdo do jornal O Povo projeta que os podcasts chegarão com força às hard news, as newsletters apostarão em contextualização e os stories vão se consolidar como a porta de entrada de um novo público. Presente em 98% dos telefones móveis brasileiros, o WhatsApp segue sendo um desafio para a distribuição e também quando se pensa no compartilhamento de informações de origem duvidosa.
Adriano Belisário desenha um horizonte distópico não só para 2020, mas para a próxima década. O coordenador da Escola de Dados Brasil aponta que as deep fakes devem aparecer com força nas eleições municipais. “Vídeos manipulados por algoritmos vão se tornar cada vez mais comuns e sofisticados, impondo desafios maiores no combate às ações de desinformação ou manipulação da opinião pública”, escreveu.
A resposta à desinformação vem de duas frentes principais: fact-checking e educação midiática. Sobre este segundo tópico, Patricia Blanco, presidente do Instituto Palavra Aberta, defende que a abertura do jornalismo é fundamental para que as pessoas entendam o seu funcionamento e a sua importância para a sociedade. “Está na hora de ‘abrir a cozinha’ do jornalismo e ‘quebrar os tabus’ da profissão. Mostrar o passo a passo, os critérios adotados, os manuais criados pelos veículos, quem são os autores das matérias, quem são os proprietários das empresas, quem financia os veículos”, escreveu.
Fábio Takahashi, editor de jornalismo de dados da Folha de S.Paulo, acredita que essa transparência se repetirá no campo em que ele atua. “A cultura de ampliação da divulgação das metodologias (e até dos códigos) dão mais transparência e segurança aos resultados encontrados”. Tais práticas ampliam também a possibilidade de colaboração, já que outros jornalistas podem se beneficiar do trabalho realizado por um colega.
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