Leia, abaixo, mais um artigo de Heródoto Barbeiro
Atirar em um senador da República é coisa grave. Especialmente quando há uma disputa de poder e, em vez de projetos e propostas políticas, parte-se para a violência. O senador se acha mais importante que um cidadão comum, que pode falar e fazer qualquer coisa, está acima das leis do país. Confunde o Senado com a Câmara dos Lordes. Ameaça outros e não admite jamais ser ameaçado. É a própria encarnação da República.
O mandato que recebeu para representar o seu estado lhe confere poderes imaginários que põem em prática quando lhe dá na telha. Uma disputa que termina com dois tiros e um ferido gravemente abala as convicções de que o país realmente vive em uma democracia, onde as leis valem para todos e ninguém está acima delas. É verdade que nem todos pensam assim, apesar de a República brasileira ser originária do final do século XIX, fruto de uma quartelada onde quem tinha a arma na mão decidia. Decidiram depor a monarquia e instaurar um regime presidencialista mais moderno e compatível com os novos tempos.
O senador é representante das velhas oligarquias que não foram desmontadas totalmente. Assemelham-se ainda aos velhos oligarcas contemplados com o título de coronel, uma herança da velha Guarda Nacional, fundada pelo padre Feijó, ainda na época do período regencial. Com o título ou sem ele, um oligarca não se separa de sua arma nunca. Mas também corre o risco de receber uma, ou duas balas no peito.
A liderança do coronel se consolida em seus discursos no Senado em Brasília, na obtenção de verbas para as suas bases eleitorais, votações polêmicas e participação em alianças que ora apoiam ora fazem oposição ao poder executivo. Contudo, há espaço também para que as disputas regionais ou paroquiais ganhem no púlpito do Senado, com troca de farpas, ofensas e acusações contra os desafetos políticos. O que se diz da tribuna tem ampla repercussão nacional uma vez que é reproduzida nos veículos oficiais, como a ‘Voz do Brasil’, e na páginas de cobertura política dos principais jornais e revistas do Brasil.
Senador deve andar de colete à prova de balas? Impensável em um país civilizado, mesmo porque quando se deseja assassinar alguém não há quem impeça. Perguntem ao Júlio César na sua visita ao senado romano. O senador nordestino é tido como um homem destemido, determinado e que não leva desaforo para casa. Sua família tem tradição política que vem da época do coronelismo. Por isso, não titubeou quando seu desafeto do Amazonas ameaçou matá-lo no plenário do Senado.
O representante de Alagoas não titubeou. Passou a ir às sessões armado de um bom pau de fogo, calibre 38, de origem americana. Ouviu-se um grito de “crápula” e o som de dois tiros. Saíram da arma do senador Arnon de Melo e tinham como endereço o senador Silvestre Péricles. Na confusão, que se seguiu com várias excelências rolando no carpete senatorial, uma bala atravessa o abdômen do senador José Keyralla, de Brasília, que aparentemente nada tinha a ver com o duelo programado entre os dois coronéis. Socorrido em um hospital, não resistiu e morreu. O episódio rendeu grandes manchetes e ninguém foi preso pelo assassinato. Como o de Cesar. Em tempo Arnon é pai de outro senador de Alagoas, Fernando Collor, o caçador de marajás.
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