Opinião

Prêmio Nobel devolve ao jornalismo o lugar que merece

Quando começamos a faculdade de jornalismo, geralmente justificamos nossa escolha dizendo que gostamos muito de ler, que somos bons em redação ou muito comunicativos. Todos esses atributos podem ser verdadeiros, mas, ao longo do curso, percebemos outras características: os olhos brilhantes, dedicados aos detalhes, a inquietação com histórias incompletas e, principalmente, a fábrica de infinitas perguntas.

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Em essência, como diz Carl Sagan, não queremos acreditar, queremos conhecer. Nosso perfil questionador nos ajuda a lidar com visões plurais do mundo e com a atualização constante do conhecimento. A dúvida nos baliza na busca da verdade.

São muitas horas dedicadas às entrevistas, leitura de documentos, entendimentos de conceitos e contextos e escrita de um texto claro e preciso. No extremo, nos envolvemos em situações de perigo, como guerras, desastres naturais e a violência comum dos grandes centros urbanos.

Para outros jornalistas, como Maria Ressa, das Filipinas, e Dmitry Muratov, da Rússia, a simples busca pela verdade e a defesa da liberdade de expressão colocam todo o aparato governamental contra eles.

Maria, à frente do Rappler, foi presa após uma vaga condenação por difamação cibernética, enquanto Muratov viu seis de seus colegas da Novaya Gazeta serem mortos, desde 1993, por denunciarem os desmandos na ex-república soviética.

Nossa profissão, tantas vezes atacada e desprezada, especialmente nestes tempos de pós-verdade, ganha novo fôlego quando a vemos reconhecida com o Prêmio Nobel da Paz

Cylene Souza

Como esses profissionais não sucumbiram à pressão e ao terror? O que os fez ficar, quando poderiam partir, optando por viver exclusivamente para si e para as suas pessoas, em paz e isolamento das forças opressoras que os atingiram?

O ponto é que, para eles, a verdade é uma missão de vida. E nossa profissão, tantas vezes atacada e desprezada, especialmente nestes tempos de pós-verdade, ganha novo fôlego quando a vemos reconhecida com o Prêmio Nobel da Paz. Assistimos, assim, o mundo a corroborar o que tanto dizemos: sem jornalismo livre, não há democracia. Sem informação de qualidade, não se pode tomar decisões corretas.

Por isso, seja em redações, em agências de comunicação ou mesmo sozinhos em nossos blogs e perfis nas redes sociais, vamos aprimorando nosso papel de guardiões do conhecimento — e do que realmente merece o reconhecimento como fato.

Para cada canal sensacionalista no YouTube, uma reportagem com contexto e explicações. Para cada governo totalitarista, um blog dissidente

Cylene Souza

Oferecer visões múltiplas, em textos bem apurados e escritos, ajuda a construir o senso crítico de nossos leitores. Parece um contrassenso oferecer mais informação em tempos de “infodemia”, mas é o antídoto para as fake news: para cada texto “de fonte segura” encaminhado no WhatsApp, a contraposição com fatos. Para cada canal sensacionalista no YouTube, uma reportagem com contexto e explicações. Para cada governo totalitarista, um blog dissidente mostrando as vidas reais sob um regime opressivo. Para cada meme com uma verdade absoluta, o questionamento.

A defesa dos princípios democráticos parece, por vezes, inglória. Mas, como nos mostraram Maria Ressa e Dmitry Muratov, também tem seus grandes momentos.

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Por Cylene Souza. Mestre em estudos sociais de ciência e tecnologia pela Universidade de Viena, na Áustria, tem pós-graduação em comunicação com o mercado pela ESPM e é jornalista graduada pela Universidade Metodista de São Paulo. Na imprensa, desenvolveu sua carreira cobrindo o setor de saúde no Brasil e acompanhando as principais tendências da área na Europa e nos Estados Unidos. Com 15 anos de experiência em empresas de mídia e comunicação, fundou a Agência essense, em 2014, e, atualmente, é sócia-fundadora e diretora-executiva da Lightkeeper, uma spin-off da essense.

Leia também: Comunicação atual e a Escola de Frankfurt — por Hélio Júnior

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