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Publicidade comparativa: caso BK X MC – por Jean Caristina

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Um caminho – digamos assim – mais curto da criação é a publicidade comparativa, que demanda menos intelecção, por ser, essencialmente, uma estratégia de rebaixamento

A falta de criatividade ou a criatividade sem conhecimento dos limites éticos são males que afligem qualquer profissional na mesma proporção, especialmente quem faz da criação o seu trabalho. O profissional sem ideias tende a copiar; o cheio de ideias, que não conhece seus limites, faz o que bem entende para atrair a atenção do público.

Um caminho – digamos assim – mais curto da criação é a publicidade comparativa, que demanda menos intelecção, por ser, essencialmente, uma estratégia de rebaixamento. Afinal, mostrar que um é melhor implica dizer que o outro é pior; não necessariamente ruim, apenas pior. A vantagem da comparação é que ela não demanda o esforço de fixar posição (nova) para uma marca ou produto, com todos os desafios da construção de reputação, pois o consumidor, normalmente, já possui um repertório dos produtos postos em comparação.

Há uma linha tênue entre demonstração comparativa e comparação com finalidade de prejudicar a concorrência. Os empresários e anunciantes que optam por essa estratégia comercial defendem que não há ridicularização ou denegrimento de marcas alheias. Na prática é raro não encontrarmos traços de deslealdade concorrencial em publicidade desse gênero, dada a sua natureza de afirmar que um é melhor do que outro.

Há semanas, o Burger King lançou filme publicitário que utiliza como “garoto-propaganda” o palhaço Pennywise, do filme “It – A Coisa”. O filme termina com a seguinte mensagem: “nunca confie nos palhaços”. Logo na sequência, esmaece na tela a logomarca do BK. Se por um lado é evidente a alusão ao palhaço Ronald McDonald, por outro, em defesa da BK, não há, essencialmente, uma comparação entre produtos. E talvez seja justamente aí que mora o problema.

Esse filme publicitário não foi exibido no Brasil. Pelo menos não por enquanto. Por aqui, ele estaria sujeito a um emaranhado normativo que tratam da proteção da marca, a começar pela Constituição, que a um só tempo protege a liberdade de expressão, a propriedade industrial, a livre iniciativa e a livre concorrência (arts. 5º, IX, XXIX; 170, caput e IV; e, 220), demonstrando não haver nenhum direito econômico prevalecente sobre outro.

No campo infraconstitucional, o direito ao uso exclusivo da marca tem respaldo no artigo 129 da Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial). Todavia, o inciso IV do artigo 132 autoriza o uso da marca em discursos, obras científicas ou literárias ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo. Ao nosso ver não há, na Lei de Propriedade Industrial, autorização para publicidade de natureza comparativa, vez que dela decorre natural diminuição de outra marca.

No Código de Defesa do Consumidor (CDC) também não há previsão alguma. Há, tão somente, o dever de identificação publicitária e veracidade da informação (artigo 36), vedação à enganosidade (artigo 37, § 1º) e vedação à publicidade discriminatória de qualquer natureza (artigo 37, § 2º). Porém, cabe o registro de que, se o CDC não autoriza, também não proíbe.

É no Código Brasileiro de Aurorregulamentação Publicitária (CBAP) que encontramos disposição expressa sobre a publicidade comparativa, que reconhece se tratar de uma “moderna tendência mundial”. O CBAP proíbe o prejudicamento do produto ou marca alheia (artigo 32, f) em publicidade de caráter comparativo. Segundo o código, a comparação deve ser utilizada para distinguir as características entre o produto A e B e instruir o consumidor, mas sempre com o devido respeito à propriedade industrial. Em síntese, o Conar admite a publicidade comparativa desde que evitada a deslealdade concorrencial.

O Poder Judiciário adotou posição mais liberal, a exemplo da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial nº 1.377.911/SP, em que se discutiu a legalidade da comparação entre produtos das marcas Nesvita, Danone e Activia. O acórdão admitiu a publicidade comparativa, destacando apenas que “Propaganda comparativa ilegal é aquela que induz em erro o consumidor, causando confusão entre as marcas, ocorrendo de maneira a depreciar a marca do concorrente, com o consequente desvio de sua clientela, prestando informações falsas e não objetivas”.

Respeitamos a decisão do STJ, mas esse não pode ser um posicionamento definitivo para toda e qualquer publicidade comparativa, uma vez que a livre concorrência e o direito à criação publicitária não estão acima dos direitos à propriedade industrial (marca) e à livre iniciativa, que asseguram proteção contra abusos que possam comprometer uma competição comercialmente justa e saudável. No caso a caso, há que se fazer uma avaliação dos prejuízos efetivos que uma comparação poderá causar a uma marca, quando seu objetivo não for instruir o consumidor, mas ridicularizar e prejudicar.

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Por Jean Caristina. Doutor e Mestre em Direito Econômico pela PUC/SP. Graduado em Direito pela FMU/SP. Coordenador do Curso de Direito da UNINOVE/SP. Professor Universitário. Advogado. Articulista do site intervalolegal.com.br. Atua em relações jurídicas da publicidade, com foco no Direito do Consumidor e na proteção do direito constitucional da livre expressão e comunicação.

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Jean Caristina

Doutor e Mestre em Direito Econômico pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Graduado em Direito pela Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Coordenador do curso de Direito da Universidade Nove de Julho (Uninove). Professor universitário, advogado e criador-articulista do site intervalolegal.com.br. Atua em relações jurídicas da publicidade, com foco no Direito do Consumidor e na proteção do direito constitucional da livre expressão e comunicação.

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