O Superman é, sem dúvida, o herói mais popular dos quadrinhos. Ele é famoso, particularmente, por seus valores de bondade, justiça e poderes que o tornam virtualmente invencível. A pedra fictícia utilizada pelos inimigos para debilitá-lo é a kryptonita, mas o Brasil descobriu essa semana que há um dispositivo mais realístico: o site The Intercept.
As relações pouco republicanas do então juiz Sérgio Moro com integrantes da força-tarefa da Lava Jato reveladas em reportagens do The Intercept Brasil, na noite de domingo, colocam dúvidas na conduta da operação. O conteúdo divulgado, aponta que o magistrado orientava o chefe dos procuradores, Deltan Dallagnol (do fundo megalomaníaco e ilegal criado para gerir 2,5 bilhões de reais roubados da Petrobras) em vários pontos relativos ao processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – cobrando novas fases, indicando caminhos e fazendo consultas em relação à abertura de gravações sigilosas. As conversas sugerem absoluta parcialidade do membro do poder Judiciário. Detalhe: o MPF não negou a veracidade dos diálogos divulgados e afirmou que seus integrantes foram vítimas de crime.
Moro tentou rapidamente minimizar o teor das reportagens. “Muito barulho por conta de publicação por site de supostas mensagens obtidas por meios criminosos de celulares de procuradores da Lava Jato”, escreveu ele no twitter. O aplicativo Telegram, plataforma onde ocorreram as conversas vazadas entre o ministro da Justiça Sergio Moro e procuradores da força-tarefa da Lava-Jato, desmente a suposição em nota: a página oficial do aplicativo alega que o vazamento pode ter sido causado por vírus em celular ou falta de proteção de usuários.
Anova revelação também mostra o envolvimento de Luiz Fux, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o mesmo que fez forte campanha para nomear a filha Marianna Fux como desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) pelo então governador Luiz Fernando Pezão (PMDB), via quinto constitucional (sem concurso). Numa das mensagens trocadas com Dallagnol, em abril de 2016, este afirma ter tido conversa reservada com o ministro Fux, que lhe assegurou de maneira ladina um ‘pode contar com comigo para o que der e vier’; e Moro responde em tom de ironia: “In Fux we trust”.
Chute: o complemento adicional deve revelar possíveis tratativas de Fux, no momento em que derrubara a decisão de Lewandowski vetando a entrevista de Lula ao jornal Folha de S.Paulo no período. Lembrando também que Fux decidiu suspender a investigação instaurada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro que apurava as movimentações financeiras atípicas de Fabricio Queiroz, ex-assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL), atendendo de prontidão um pedido feito pelo filho do presidente Jair Bolsonaro.
Glenn Greenwald assumiu o protagonismo do tabuleiro. Pautou a imprensa jogando de brancas: o Fantástico noticiou, os três maiores jornais do país (Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo) estamparam na capa da primeira página de segunda-feira o conteúdo. O Estadão – rotulado como um veículo de direita – sugeriu em editorial o afastamento de Sérgio Moro. O colega jornalista Carlos Dias avaliou com precisão: “o fato é relevante porque se tratava de um domingo à noite. As redações trabalham com meia equipe nos fins de semana a fim de que parte tenha folga nesses dias.
O esquema funciona bem porque, com exceção de esportes, há poucas notícias. A decisão de dar o conteúdo foi tensa e teve de ser tomada rapidamente. Os grandes jornais fizeram a coisa certa para o bem do seu leitor ao publicar da melhor forma que podiam a notícia exclusiva do Intercept. Ponto para o jornalismo. O Intercept arriscou e se deu bem. Provavelmente, publicou a notícia mais para chamar a atenção da grande imprensa do que a de seus leitores, escolhendo dia e horário em que seus concorrentes de peso teriam pouco tempo para levantar informações adicionais. Ou vendiam como tinham comprado ou ignoravam um dos fatos mais importantes dos últimos meses”.
A notícia não provocou grandes impactos no mercado financeiro, que continua apostando na aprovação da reforma da Previdência do governo Bolsonaro. Embora com PIB “flat” este ano, ou seja, próximo a zero, deixando para 2020 as perspectivas de melhora, o mercado acredita que a agenda econômica pode destravar – independente da gravidade dos fatos e áudios – que ainda poderão ser revelados pelo The Intercept Brasil.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, é o dono do ativo de popularidade do governo, assim como o ministro da Economia, Paulo Guedes, é o porto seguro do mercado financeiro. Uma das colunas agora começou a trincar: Aferição do instituto Atlas Pesquisa realizada depois do início da início da divulgação da Vaza Jato mostra que a popularidade de Sérgio Moro começara a despencar. A primeira onda de divulgação do site Intercept aconteceu no fim da tarde do domingo; a pesquisa, realizada entre segunda e quarta-feira (12), constatou: Moro perdeu quase 10 pontos percentuais em sua avaliação positiva.
A evidente colaboração entre Sergio Moro e Deltan Dallagnol deveria ser suficiente para jogar ao menos um ponto de interrogação nas cabeças dos defensores da dupla. Ao invés disso, uma grande parte da população apoia a transgressão com uma simples afirmação: ‘eu faria o mesmo, era preciso’. O recado passado por Sérgio Moro, – de que ninguém mais estaria acima da lei, mesmo um ex-presidente da República, por enquanto ainda não se adapta ao ex-juiz paladino da moral e dos bons costumes.
É compreensível o sentimento de condescendência ao médico que transgredi o plano de saúde para salvar um paciente com câncer, mas desde que ele não aceite o cargo de Ministro da Saúde como moeda de troca – negociado antes mesmo do procedimento cirúrgico concluído com sucesso. Para Moro, pelo caminhar dos fatos, algumas possibilidades ganham ascendência: renúncia e a perda da tão sonhada vaga no STF – além de profligar seu grande projeto pessoal: a presidência da República. Mas no Brasil tudo é possível, inclusive quando a arquibancada aclama: “Moro, Moro, Moro”…
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Por Gustavo Girotto. Jornalista natural de Taquaritinga (SP). Artigo publicado originalmente no site do jornal O Defensor.
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