Coronavírus tem tomado manchetes de todo o mundo ao decorrer dos últimos três meses. E, diante da pandemia da Covid-19, o jornalismo se mostra criativo e acessível
Por Paola Nalvarte, com colaborações de Teresa Mioli e Júlio Lubianco. Texto publicado originalmente no site do Knight Center for Journalism in the Americas
Em menos de três meses, a Covid-19, ou novo coronavírus, tomou conta das manchetes ao redor do mundo, incluindo as de veículos latino-americanos. Muitos meios de comunicação que adotam paywalls, ou limitam parte de seu conteúdo assinantes, abriram acesso ao público em geral para toda a sua cobertura diária da Covid-19, que já causou a morte de mais de 7.500 pessoas e infectou outras 180.000 em todo o mundo.
No Brasil, o primeiro país latino-americano a registrar um caso da Covid-19, no final de fevereiro, o jornal O Globo destacou uma equipe jornalística que envolve quase toda a redação para cobrir as notícias sobre o coronavírus.
“No nosso site, reunimos todo o conteúdo sobre o coronavírus em um nova seção com quase tudo aberto ao público, derrubando o paywall“, disse ao Knight Center for Journalism in the Americas o diretor de redação de O Globo, Alan Gripp. “Também criamos uma newsletter especial, um PDF com todas as dicas para lidar com a doença (apropriado para ser compartilhado através do WhatsApp; com um número estimado de mais de um milhão de compartilhamentos), um bot que responde perguntas e um ‘festival’ de streaming de música com artistas brasileiros para ajudar as pessoas a se divertirem em casa”, acrescentou.
Alan Gripp também disse que eles mudaram a configuração das editorias do jornal impresso para que toda a cobertura do vírus esteja nas primeiras páginas da edição. “Continuamos pensando em novos produtos a serem lançados nas próximas semanas, dependendo da velocidade da transmissão do vírus”, afirmou.
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Outro jornal que derrubou seu paywall para tudo relacionado à Covid-19 foi o El Espectador da Colômbia. “A mudança foi forte e estamos tentando orientar quem nos lê para não entrar em pânico nas redes sociais”, disse Edwin Bohórquez Aya, gerente digital do El Espectador. “Queremos ser responsáveis pelo jornalismo que estamos fazendo e isso também implica dedicar tempo para entender tudo isso que está acontecendo, porque a chuva de informações parece uma tempestade”, complementou.
O jornal colombiano começou a canalizar todas as suas informações sobre o vírus por meio da seção ‘Saúde’, e o editor dessa seção orienta o conteúdo publicado, tanto nas versões digital quanto impressa. “Ele é quem acalma as pessoas”, revelou Bohórquez.
Além disso, segundo Bohórquez, eles cobrem o impacto da pandemia global na economia nacional e internacional, como a queda das bolsas de valores etc. Todo o conteúdo do coronavírus é agrupado de maneira especial na edição diária e atualizada do jornal, e a equipe de design optou pelo conteúdo visual para torná-lo mais educacional.
Uma voz que luta para seguir no ar
La Voz de Guanacaste é uma pequena redação na Costa Rica que procura continuar gerando conteúdo que não é apenas sobre o coronavírus. “É evidente que nosso público também precisa de outras notícias”, disse Emiliana García, diretora executiva da publicação.
Devido à falta de anunciantes e para não saturar a equipe de trabalho, o veículo da Costa Rica foi forçado a suspender sua edição impressa de abril, explicou Emiliana. “Acreditamos que as pessoas estão consumindo mais conteúdo digital e devemos concentrar nossos recursos na criação de mais notícias dessa maneira”, acrescentou.
No Peru, o site de jornalismo investigativo Ojo Público tem 90% de sua equipe jornalística trabalhando para cobrir a pandemia. Por esse motivo, eles organizaram a cobertura da Covid-19 em sete eixos temáticos, disse Nelly Luna, editora geral e cofundadora do título.
O primeiro busca cobrir os dados mais atuais, principalmente de fontes oficiais sobre a disseminação do vírus no Peru, como número de casos etc. O segundo eixo é o de atendimento ao público, disseminando recursos e informações de fontes oficiais nacionais e internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), para evitar contágio e cuidar da saúde mental dos que estão em quarentena.
“As pessoas estão consumindo mais conteúdo digital”
O terceiro eixo é combater o “infodemia”. Ou seja, a disseminação massiva de informações falsas, com fact checking. A equipe da seção ‘Ojo Biónico’ é responsável por isso. Eles abriram um canal do WhatsApp para esclarecer as dúvidas de seus leitores sobre as informações falsas que são compartilhadas nas redes sociais. No quarto eixo, eles estão investigando questões relacionadas ao vírus, como quais empresas estão por trás da venda e distribuição de máscaras.
O quinto é dedicado à análise de dados locais e regionais com uma abordagem mais positiva, disse Nelly, para incentivar a calma entre seus leitores. Nesta linha, eles divulgam informações sobre o número de casos de pacientes recuperados, o número de casos descartados etc. O sexto tem a ver com opinião, com editoriais sobre a necessidade de um cidadão mais proativo para combater a pandemia e opiniões de jornalistas sobre a aprendizagem em países onde a pandemia é mais avançada.
Por fim, estão cobrindo, através de seus dez correspondentes, como é vivida a pandemia em várias regiões do país e as medidas de emergência decretadas pelo governo, como o recente toque de recolher. “Isso nos permite ter uma ideia bastante ampla de como se está lidando com a crise do COVID-19 no Peru e, através da análise de dados, do que está acontecendo na região”, afirmou Nelly Luna. “Além disso, fazemos parte da aliança com a IFCN e a Poynter para começar a disseminar informações verificadas através da hashtag #CoronavirusFacts”, acrescentou.
Jornalismo X fake news
No Equador, o site GK também está combatendo notícias falsas sobre a Covid-19 e concentrando sua cobertura em contextualizar e explicar a incidência do vírus no país. “Não fornecemos notícias de última hora, mas sempre contextualizamos as notícias que ocorrem e, neste caso, a produção desses conteúdos aumentou exponencialmente devido ao número de atualizações que o governo dá sobre o assunto”, afirmou Isabela Ponce, editora e fundadora da GK.
“Como há muitas notícias falsas circulando, nosso trabalho é publicar informações verdadeiras e contextualizadas, que às vezes chegam um pouco mais tarde, mas chegam melhor. Tentamos que nossas publicações não contribuam para o pânico coletivo, ou seja, vamos priorizar as informações que garantam tranquilidade com informações úteis”, comentou a editora.
Eles não negligenciaram, disse Isabela, sua agenda de direitos humanos nesta cobertura. Eles continuaram a produzir principalmente conteúdo voltado para crianças, direitos da mulher e direitos à saúde. Desde que o primeiro caso de Covid-19 no Equador foi confirmado no início de março, eles prepararam uma landing page que reúne todas as notícias sobre o assunto e suas atualizações em números, notícias e relatórios.
“Nas nossas redes sociais, especialmente Instagram, priorizamos conteúdo gráfico útil para nossos leitores. Ontem, perguntamos aos nossos leitores o que eles queriam saber sobre o assunto e, após consultar os especialistas, os repórteres responderam a essas perguntas, como uma maneira de também contribuir [no combate] à desinformação. Nas redes, também estamos divulgando dados para que sejam informados, mas também com dicas para lidar com a crise em casa, porque aqui foi decretado um toque de recolher”, Isabela.
“Priorizamos conteúdo gráfico útil para nossos leitores”
Na Argentina, um dos primeiros sites de verificação de dados da América Latina, Chequeado, concentrou todas as suas informações na verificação de cobertura de coronavírus. “Nesse contexto, e levando em consideração tudo que é falso e enganoso que circula sobre o coronavírus, esse é o nosso foco específico quando se trata de falar sobre cobertura. Tudo o que publicamos tem como objetivo fornecer informações verificadas sobre o assunto e explicar questões complexas relacionadas ao vírus”, disse Pablo M. Fernández, diretor de inovação do Chequeado e responsável pelo plano de trabalho remoto.
Combater informações falsas sobre o coronavírus também é uma das missões do site jornalístico mexicano Animal Político, disse seu diretor, Daniel Moreno. Para isso, eles criaram um microsite onde todas as informações sobre a Covid-19 estão concentradas no país e no mundo. Em seu conteúdo, eles procuram resolver as dúvidas de seus leitores, consultando especialistas e autoridades sobre o assunto, além de incentivar os cuidados com a saúde, explicando e divulgando as medidas que a população deve adotar.
Voz a quem sofre
Da mesma forma, “estamos dando voz àqueles que serão mais afetados pelo fechamento de atividades, como trabalhadores informais, pequenas e médias empresas, etc.”, disse Moreno. “Queremos fazer um ‘diário’ de como a cidade está desaparecendo e como isso afetará a vida cotidiana; queremos acompanhar os leitores na corrida dos touros com informações úteis sobre saúde mental”, acrescentou.
Por enquanto, disse Moreno, os únicos números sobre pessoas infectadas com o vírus que o país controla são de fontes oficiais. “Hoje, mesmo sem cuidar dos jornalistas da Animal, não posso levá-los a perseguir os doentes para verificar se os números estão corretos. Mas haverá tempo para rever o que foi feito, se foi pontual, se foi bem feito e se eles nos informaram como deveria ser feito”, enfatizou.
Muitos jornalistas da região estão trabalhando remotamente de suas casas, primeiro para proteger seus funcionários, mas também para cumprir as quarentenas e toques de recolher que muitos países da região estão decretando.