Opinião

Cabe cobrar direito autoral em reprodução de portfólio?

O interesse considerável de um indivíduo de exigir licença de direitos autorais e remuneração pode encontrar óbice em razão da proibição no próprio ordenamento jurídico. A Lei 9.610/1998 — Lei de Direito Autoral — admite em certas circunstâncias a utilização livre de autorização prévia e retribuição econômica. O detentor de direitos autorais que atua contrariamente, de forma opressiva às liberdades pode atuar com abuso de direito e ser responsabilizado civilmente. Comete ato ilícito o titular de um direito que ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (Art. 187, Código Civil).

Leia mais:

A assessoria de imprensa precisa dar visibilidade às matérias jornalísticas resultantes de sua atuação e, para tanto, as insere no respectivo site — portfólio digital que deve se manter sempre atualizado. O portfólio é o registro de trabalhos feitos com o objetivo de atestar habilidades, experiência e qualidade perante terceiros — subsídio indispensável ao exercício do direito ao trabalho (Art. 6º., CF) — interesse social relevante. Ali estão matérias publicadas com fotografias que não são de titularidade da assessoria de imprensa, são de titularidade em geral de agências de comunicação. Daí, muitas vezes, a ideia equivocada de se avaliar como ilícita a reprodução.

A Lei de Direito Autoral contempla o interesse social relevante no Capítulo IV denominado “Das Limitações aos Direitos Autorais”, disciplinado nos artigos 46, 47, 48 e 49. Nesses casos, dispensa-se a autorização prévia e o pagamento de remuneração para a reprodução por terceiros, visto ser reconhecido pelo legislador a utilização livre.

O controle da exploração econômica da obra e o direito de auferir benefícios econômicos dela decorrentes, de outro, igualmente, devem ser respeitadas as licenças legais

Ivana Có Galdino Crivelli

É justamente o direito à informação que se encontra entre os direitos fundamentais sopesados na elaboração dos citados artigos, como interesse público de haver ampla difusão da informação. O legislador buscou acolher o balanceamento dos interesses dos titulares e da sociedade para assim assegurar o livre desenvolvimento do ser humano por meio do trabalho, da cultura e das ciências. Desta forma, sob esse propósito, dispõe a lei que não constitui ofensa aos direitos autorais a reprodução na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação onde foram transcritos (Art. 46, inciso I, Lei 9.610/1998. As imagens que compõem as notícias e artigos informativos sofrem igualmente a limitação da lei.

Se de um lado, cabe ao titular de direitos autorais o controle da exploração econômica da obra e o direito de auferir benefícios econômicos dela decorrentes, de outro, igualmente, devem ser respeitadas as licenças legais, aquelas utilizações autorizadas não pelo titular de direitos autorais, mas pela legislação.

Todas as vezes que se aplica uma limitação legal, que se permite o uso de obra intelectual sem autorização prévia não se obriga à contrapartida remuneratória. Mesmo que se possa afirmar que houve um prejuízo econômico ao titular que não recebeu pelo uso, ainda que haja prejuízo, nas hipóteses dos arts. 46 a 49, esse é considerado justificável, pois a limitação a eles inerente atende ao interesse social, aquilo que é necessário e útil a uma coletividade.

A sociedade que respeita os direitos autorais precisa igualmente respeitar as suas limitações

Ivana Có Galdino Crivelli

Os delineamentos do consentimento para a utilização livre estão na Convenção de Berna (Art. 9, 2), incluindo-se a possibilidade de prejuízo ao titular, desde que não seja um prejuízo injustificado aos legítimos interesses do autor. O titular deixa de receber remuneração nas situações listadas nos arts. 46 a 49, pois tais usos são considerados não prejudiciais aos legítimos interesses dos titulares. Não se pode considerar como expectativa econômica legítima a comercialização de obras intelectuais para fins de portfólio.

A utilização de conteúdo protegido para ilustrar portfólio em site não causa prejuízo injustificável, não é uma oportunidade perdida de se auferir lucro, não devendo ser caracterizada como uma forma de exploração econômica. A sociedade que respeita os direitos autorais precisa igualmente respeitar as suas limitações para um convívio pacífico e profícuo de todos os atores sociais e seu contínuo desenvolvimento

__________________

Por Ivana Có Galdino Crivelli. Advogada e ex-presidente da Associação Paulista de Propriedade Intelectual (Aspi) e sócia de Có Crivelli Advogados.

Compartilhe
0
0
Leitor-Articulista

Espaço aberto para a veiculação de artigos produzidos pelos usuários do Portal Comunique-se. Para ter seu conteúdo avaliado pela redação, com possibilidade de ser publicado na seção 'Opinião', envie e-mail para jornalismo@comunique-se.com.br, com “Leitor-articulista” no assunto.

Recent Posts

Lumi Global adquire a Assembly Voting para fortalecer a liderança de produtos e acelerar a expansão internacional

LIPHOOK, Reino Unido, Dec. 22, 2024 (GLOBE NEWSWIRE) -- A Lumi Global, líder global em…

20 horas ago

Brasil é 50º em inovação no mundo e líder na América Latina

O Brasil lidera em inovação na América Latina. Apesar de desafios, investimentos públicos e políticas…

3 dias ago

Caminhos para Romper os Ciclos de Abuso Psicológico Feminino

Psicóloga ressalta a urgência de políticas públicas para apoiar as vítimas de abuso emocional

3 dias ago

Thermas Resort Walter World abre campanha Réveillon 2025

O hotel, localizado no Sul de Minas Gerais, contará com atrações dedicadas a adultos e…

3 dias ago

Atrações natalinas impulsionam o turismo em Curitiba

Uma das maiores programações gratuitas de Natal já está acontecendo na cidade e a expectativa…

3 dias ago

Comemorações com fogos de artifício são traumáticas para os pets

O animal desorientado entra em desarmonia com o ambiente

3 dias ago