Diretor de redação, Sérgio Dávila fala de novo projeto do jornal. Recentemente, Folha de S. Paulo deu vez à ‘Diversidade’, com a editora Paula Cesarino Costa
Por Carolina de Assis. Texto publicado originalmente no site do Knight Center for Journalism in the Americas
Ao tomar posse como nova diretora e CEO da Ethical Journalism Network (Rede de Jornalismo Ético), em abril passado, a jornalista Hannah Storm argumentou que só é possível construir um jornalismo verdadeiramente ético se gênero estiver na agenda e nas práticas das redações com o intuito de avançar na igualdade entre mulheres e homens.
Essa constatação vem ecoando em redações ao redor do mundo nos últimos anos, como no jornal norte-americano The New York Times, no jornal espanhol El País, na rede britânica BBC e agora no brasileiro Folha de S. Paulo, que no começo de maio anunciou a criação do cargo de editora de ‘Diversidade’ no jornal.
Mas enquanto as iniciativas de NYT, El País e BBC se concentram em promover o equilíbrio de gênero em suas equipes e no conteúdo que produzem, a Folha decidiu abraçar o desafio de “refletir a variedade da vida social no Brasil”, segundo o jornal, que tem a maior circulação do país, com 332 mil exemplares (impressos e digitais) em março, segundo o Instituto Verificador de Circulação (IVC).
Essa variedade inclui “a diversidade de gênero, origem étnica, classe social, raça, cor, crença religiosa, deficiência, orientação sexual, idade e inclinação política”.
O diretor de redação do jornal, Sérgio Dávila, disse ao Centro Knight que há mais de ano vinha detectando a necessidade de o jornal ter uma pessoa que se ocupasse dessa questão. Tal necessidade ficou evidente, segundo ele, quando a mais recente pesquisa sobre o perfil do leitorado do jornal, realizada no fim de 2017, constatou uma diminuição do percentual das leitoras da Folha (o jornal não abre dados específicos sobre seus leitores).
A editora de ‘Diversidade’
A escolhida para ocupar o novo posto foi Paula Cesarino Costa, que foi ombudsman do jornal entre abril de 2016 e maio de 2019, trabalha na Folha desde 1987 e já foi diretora da sucursal do jornal no Rio de Janeiro e secretária de redação.
“Durante meus três anos como ombudsman, essa foi uma das minhas preocupações”, disse Paula ao Centro Knight. “Em várias colunas e nas críticas internas diárias que eu fazia para a redação, apontei um pouco alguns momentos em que eu achei que faltou diversidade, pela avaliação de que isso é cada vez mais fundamental para os dias de hoje e para o jornalismo de hoje”.
Além da atenção ao tema, disse Dávila, Paula “está há mais de 30 anos na casa e conhece muito bem o que é a Folha, então tendo a história do jornal tão clara quanto é para ela fica mais fácil ajudar a mudar. Por esses fatores acho que ela era a pessoa ideal para ser a ocupante número um do cargo”.
A editoria de ‘Diversidade’ é “horizontal”, explicou Dávila, e Paula terá liberdade para se envolver e atuar em todas as editorias do jornal.
“Ela é uma editora cuja equipe é o jornal inteiro, os 300 jornalistas que trabalham na Folha. Ela tem ascendência sobre todos eles”, disse ele. “Ela participa da reunião da manhã, que define o que vai estar na versão impressa do dia seguinte; das reuniões semanais, que a gente tem para discutir o principal da semana que começa; e das reuniões de produtos especiais. Então ela tem livre acesso a todo o processo de produção do jornal”.
Mais do que uma ‘Diversidade’
Este livre acesso tem o objetivo de permitir que Paula Cesarino Costa atue em quatro pilares, segundo Dávila: “O primeiro é cuidar da diversidade da redação, de quem faz o produto. O segundo é cuidar da diversidade de quem é ouvido para que o produto seja feito, portanto, das fontes. O terceiro é cuidar da diversidade de quem escreve para o jornal, como colunistas, articulistas, blogueiros. E o quarto é atuar no processo de contratação, para influir na renovação da redação”.
Embora a Folha não tenha um censo atualizado de seu reportariado, Dávila afirmou que mulheres e homens estão representados de maneira equânime entre seus jornalistas, “com uma leve predominância das mulheres”.
Mas se a distribuição por gênero “não chega a ser um problema” no jornal, em um país em que 55,8% da população é negra, “a questão de raça é, sim”, com pessoas brancas desproporcionalmente representadas, disse ele. “As minorias [étnico-raciais] seguem sendo minorias na redação da Folha e isso eu não preciso do censo para dizer, basta andar pela redação”.
O mapeamento da redação da Folha, inclusive, é uma das primeiras tarefas de Paula como editora de ‘Diversidade’. “A base de tudo tem que ser, primeiro, o levantamento do que o jornal é hoje”, disse ela. “Desde o perfil da equipe, de quem são os jornalistas da Folha, de onde eles vêm, qual é a formação deles; como é a divisão e quem são os colunistas: quantos são negros, brancos, homens, mulheres, quantos são de São Paulo. O recenseamento é básico, porque senão fica muito difícil traçar uma meta”.
A diversidade na redação é importante para que as diversas experiências de vida dos repórteres sejam refletidas na produção jornalística, disse Dávila.
Furando a bolha da redação
“Nós, jornalistas, tendemos a ser – pelo menos nós da grande mídia brasileira – membros da classe média ou média alta, que moram no centro expandido de São Paulo, no caso do jornalismo paulistano. Trata-se de um repertório de experiências e convivências e relações pessoais que se situa dentro de uma bolha. Quero que a gente fure essa bolha também no background econômico, de moradia, de experiência profissional, estudantil”, afirmou ele.
A ideia é que, ao furar essa bolha, o jornal consiga “falar mais e ouvir mais as pessoas que moram na periferia de São Paulo, por exemplo”, disse ele. “A maioria da população de São Paulo não mora no centro expandido, mas nas franjas, e acho que essas franjas não estão chegando direito ao jornal como pauta”.
Outra análise importante será entender quem são as fontes ouvidas para as reportagens do jornal, já que “não adianta mudar quem faz e quem escreve, se não se muda quem é ouvido na confecção das matérias”, disse Dávila.
“Nós, jornalistas, tendemos a ser – pelo menos nós da grande mídia brasileira – membros da classe média ou média alta” (Sérgio Dávila)
“Não digo que seja um preconceito do jornalista, mas sim porque há uma predominância mesmo, e que é histórica na sociedade, de sempre ouvir o especialista acadêmico, branco, heterossexual”, afirmou ele. “É quase por default: quando você pensa em um assunto, pensa em ligar para o doutor fulano de tal, e esse doutor certamente é homem e branco. Então ela também está começando a desenvolver um trabalho sobre isso, que talvez seja um dos mais importantes”.
Paula Cesarino Costa disse que tem recebido muitas respostas positivas desde o anúncio da editoria. “É algo que trouxe muita animação dentro e fora do jornal. Recebi muitas mensagens de pessoas dizendo ‘poxa, que bom’; pessoas de dentro do jornal que me deram sugestões, além de pessoas de fora interessadas. Dá para ver que de fato é um assunto urgente”, afirmou.
A nova editora também disse que tem buscado conteúdos e ouvido muitas pessoas, de dentro e de fora do jornal, sobre o tema da diversidade, para formatar seu trabalho no novo posto.
“Em vários jornais do mundo há experiências com editorias de gênero, que vão ser muito úteis para nós. Mas o problema é ampliar, porque de certa forma é mais simples fazer um programa de ação só sobre gênero”, disse ela. Como queremos ampliar a questão também para raça, localização, religião e outras, já é algo um pouco mais complexo, que vamos ter que aprender e inventar”.
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