Em depoimento à CPI das Fake News, que investiga notícias falsas e assédio nas redes sociais, na quarta-feira, 4), a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) afirmou que parlamentares ligados ao governo federal usam assessores de seus gabinetes para promover ataques virtuais contra desafetos. Um dos acusados por Joice foi o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro.
Além de Eduardo, ela citou os deputados estaduais do PSL Douglas Garcia (SP), Gil Diniz (SP) e Alana Passos (RJ). Também mencionou três servidores comissionados do Palácio do Planalto, que compõem o grupo conhecido como “gabinete do ódio”. Segundo a deputada, todos esses assessores são empregados com a função de organizar redes de ataques, o que pode configurar improbidade administrativa.
“Não estamos falando de fofoquinha de WhatsApp. É uma organização criminosa que funciona de maneira coordenada. Há dinheiro público. Escolhe-se um alvo, combina-se o ataque, em questão de minutos temos uma mensagem espalhada para o Brasil inteiro. É uma sensação passada para que muitos fiquem atemorizados com ‘o levante da internet”.
A deputada explicou, na CPMI das Fake News, que esses assessores operam páginas e perfis que atuam como elos intermediários na cadeia dos ataques. Eles produzem conteúdo a partir de orientações combinadas em grupos secretos, e as publicações seguem um “revezamento” previamente estabelecido entre as páginas. Depois, o material é repercutido com o uso de bots (robôs). As orientações, segundo Joice Hasselmann, partem de lideranças como Eduardo Bolsonaro, o vereador Carlos Bolsonaro e o assessor especial da Presidência Filipe Martins.
Entre os nomes citados pela deputada estão Tercio Arnaud Tomaz, José Matheus Salles Gomes e Mateus Matos Diniz, assessores da Presidência; Carlos Eduardo Guimarães, secretário de Eduardo Bolsonaro; e Edson Salomão, presidente do Movimento Conservador e assessor de Douglas Garcia.
Joice Hasselmann disse que outros nomes podem surgir depois que redes sociais como Twitter, Facebook e Instagram abrirem o sigilo de administradores de perfis anônimos e páginas satíricas que participam das redes de ataques. Ela já iniciou ações judiciais nesse sentido.
O custo do uso de robôs para movimentação de conteúdos também foi um ponto assinalado por Joice. A deputada, disse que consultou especialistas na área e identificou que um único impulsionamento artificial pode chegar a custar R$ 20 mil. Ela instigou a CPI mista a se debruçar sobre o financiamento dessas atividades.
“O principal foco desta comissão [tem que ser] seguir o dinheiro. Se o ataque é em grupo e isso é feito em perfis de todos os cantos, de onde vem o dinheiro? Estamos falando de milhões de reais”, questionou.
No seu depoimento, Joice Hasselmann apontou uma divisão existente na base de apoio do presidente Jair Bolsonaro desde a campanha eleitoral de 2018. De acordo com ela, após a posse, o grupo envolvido com as redes de ataques virtuais se instalou “no coração do governo” e passou a influenciar o presidente e a alienar os demais aliados, como ela.
“Na campanha, o PSL fazia a mídia normal e tinha a mídia “paralela”, que sempre foi o Carlos [Bolsonaro] que controlou. As senhas das redes sociais sempre ficaram de posse dele. Não sei se o presidente tem consciência do tamanho da loucura que esse ‘gabinete do ódio’ produz. Quero crer que não. É preciso colocar um freio nisso. Há toda uma desconstrução de imagem das pessoas que ajudaram”, afirmou.
Joice Hasselmann apresentou vários exemplos de publicações direcionadas contra apoiadores do presidente que passaram a ser tratados como “traidores”. Entre eles estão os ex-ministros Gustavo Bebbiano, da Secretaria-Geral da Presidência, e Carlos Alberto dos Santos Cruz, da Secretaria de Governo.
Os ex-ministros teriam se tornado alvo dos ataques coordenados depois de baterem de frente com membros do núcleo de militância virtual. Santos Cruz discutiu com Filipe Martins em uma reunião de gabinete e dias depois foi exonerado, em meio a um ataque de notícias falsas (ele foi acusado de ofender o presidente Bolsonaro a partir de uma imagem adulterada do seu WhatsApp).
Já Bebbiano entrou em atrito com Carlos Bolsonaro ainda durante a montagem do governo, quando o vereador, segundo relatou Joice, teria proposto a criação de um setor paralelo de inteligência e investigação. A deputada informou, ainda, que o atual diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o policial federal Alexandre Ramagem, foi uma indicação de Carlos.
O senador Humberto Costa (PT-PE), membro titular da CPMI das Fake News, observou que as informações trazidas por Joice Hasselmann ilustram uma questão grave para o país. Para ele, o fato de um grupo tão próximo ao presidente se comportar da forma que foi descrita deve ser tratado com seriedade.
“Estamos diante de um grande problema: ou o presidente sabe da existência dessa rede e apoia o que ela faz; ou ele não tem conhecimento. Aí quem tem que ser responsabilizados são os órgãos de inteligência que, ou são incompetentes a ponto de não saberem que isso existe; ou não dizem ao presidente que isso existe”.
Joice Hasselmann disse que a sua motivação para prestar depoimento à comissão não é “arranhar a imagem” do presidente Jair Bolsonaro, a quem ela garante continuar apoiando. No entanto, ela afirmou que o presidente está se “apequenando” ao se engajar em projetos divisivos, como a indicação do filho Eduardo para a embaixada brasileira nos Estados Unidos e a troca da liderança do PSL na Câmara dos Deputados.
“O presidente é a autoridade máxima deste país. É um homem que tem que saber o tamanho que tem. Eu espero uma correção de rota. Espero que o governo seja tocado pelo presidente, não pelos seus filhos”, disse.
A deputada Joice Hasselmann alertou, na CPMI das Fake News, também que os perfis-robôs que participam dos ataques virtuais podem vir a ser relevantes no processo de formalização do partido Aliança pelo Brasil, presidido por Bolsonaro. Na terça-feira (3), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) autorizou o uso de assinaturas digitais para a criação de partidos políticos, o que facilitaria a oficialização da Aliança a tempo das eleições municipais de 2020.
“As certificadoras digitais são muitas vezes pequenas empresas privadas sem nenhuma fiscalização. Se temos esse volume de robôs atuando nas redes sociais, o que não haverá com as certificadoras? Não coloco ninguém em suspeição, mas há que se ter cuidado na regulamentação [da coleta de assinaturas digitais] pra que não tenhamos uma fraude”, alertou.
Joice trouxe os números de uma avaliação que solicitou ao Botometer, projeto da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, que monitora a veracidade de perfis de redes sociais. Segundo o estudo, cerca de 15% dos seguidores da Aliança Pelo Brasil no Twitter apresentam características típicas de perfis automatizados: sem personalização, pouco conteúdo original e atividade intensa de compartilhamentos.
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