A comunicação exerce um papel muito específico na construção da marca não apenas para o público externo mas também para o interno. Mas existem disciplinas complementares que trabalham nesse sentido. Mais do que isso, elas não param de se inovar. Novas técnicas e abordagens de marketing surgem. Na crista da onda, está o employer branding.
Para entender a fundo o que é o conceito, conversei com o Caio Infante, fundador do Employer Branding Brasil e expert no assunto. Você ouve o bate-papo abaixo — e lê também a transcrição da conversa.
Cassio Politi: Quando a gente ouve o termo employer branding, não é difícil deduzir do que se trata porque pessoas são um ativo das empresas. Quanto melhor empregadoras as marcas forem, mais valor elas têm, porque maior é a chance de elas performarem. Portanto, o que eu entendo é que o employer branding consiste em criar uma imagem positiva não para o cliente, mas para um outro público, que é o público interno e também o potencial colaborador que é o candidato a um emprego. É assim que entendo. Duas perguntas, então. A primeira: a minha visão está certa? E a segunda: qual a definição mais precisa para employer branding?
Caio Infante: Sua definição está certa, mas eu vou complementar. Employer branding, para mim, também é supersimples, como você fala. Com branding, a gente está falando de marca. Ou seja, de coisas mais operacionais, de experiências. Mas tem uma palavrinha na frente, que é o “employer”. Traduzindo livremente, fica “marca empregadora”.
É como você gostaria que as pessoas soubessem como é trabalhar na sua empresa, como você constrói a imagem, a reputação da sua marca empregadora, da sua empresa enquanto lugar para trabalhar. Estendendo um pouco, sim, tem que fazer sentido para os colaboradores, também para os candidatos, mas cada vez mais o terceiro “C”, que eu costumo falar que é o cliente.
Não existe marca empregadora dissociada da marca corporativa. No final do dia, você vai trabalhar na mesma empresa, vai buscar mais ou menos dela de acordo até com as ações e com o que sai de matéria ou da postura de sustentabilidade ou qualquer outro tema relacionado à marca de consumo. O ponto é: você tem uma estratégia para contratar e reter pessoas — marca empregadora — e tem outra estratégia e posicionamento para vender seu produto ou serviço.
Inevitavelmente, há uma sinergia. Até porque, como você bem disse na abertura, a gente está falando de pessoas. Pode ter o melhor produto ou serviço do mundo, você continua dependendo de pessoas para entregar, para vender, para falar bem, enfim, todo o resto.
Cassio Politi: É uma atividade desempenhada não pelo time de comunicação corporativa ou marketing apenas, não é? Employer branding envolve o RH?
Caio Infante: Quando a gente olha lá fora, vê que em 60% das empresas a marca empregadora é um tema do marketing, não é de recursos humanos. Qual o papel dos Recursos Humanos? A gente brinca com o casamento de recursos humanos com marketing / comunicação. O recursos humanos é responsável por ajudar a definir e plugar na estratégia do negócio.
Explicando isso: “em 2021, quais as áreas de negócio que vão crescer? Quais são as novas lojas ou plantas que vão ser construídas?”. Para tudo, eles vão precisar de gente, então o RH vai ajudar a definir qual são os perfis que eu preciso, quais são as localidades, como vai ser esse processo seletivo, quais são as ferramentas e testes. Enfim, tudo que é processual — e até quantificar um pouco isso. Há um termo que a gente usa dentro do RH para entender para onde está indo o negócio — que é o workforce planning —, que serve para entender o tipo de talento que é preciso. Ou para desenvolver dentro de casa, ou que eu vou precisar buscar no mercado.
Aí entra a beleza do branding, do marketing, da comunicação. Quais os meus atributos de marca para as pessoas continuarem lembrando que a empresa em que a pessoa trabalha é a melhor do mundo. O objetivo é vender isso para o mercado de candidatos e atrair os melhores talentos. Não adianta, como qualquer propaganda, você vender uma empresa que você não é, fazendo uma promessa vazia.
Por isso, o Employer Branding tem de ser estratégico e construído, como uma boa marca, de dentro para fora.
Cassio Politi: Quais são os entregáveis de um time ou de uma agência de employer branding? Quando eu falo entregáveis, estou me refiro a ações. O que seria uma campanha ou uma ação de employer branding?
Caio Infante: O primeiro ponto é entender aonde eu quero chegar. Por isso, tem de plugar com a estratégia do negócio e entender para onde está indo. Você faz lá o seu planejamento estratégico de dois ou três anos hoje, no máximo.
A partir daí, quando você fala em ativação da marca empregadora, é importante você definir o EVP, que é o employee value proposition. Traduzindo: é a proposta de valor para o empregado ou como marca empregadora. É preciso entender por que as pessoas acordam todos os dias, felizes e motivadas, e trabalham para a minha empresa, independentemente da pandemia. Por que as pessoas não estão indo mais para o escritório, elas têm que acordar e ir do quarto para a sala. E é um contingente que continua performando.
Tem gente que deu aquela relaxada e tem muito gestor que está com medo de que as pessoas não estão performando — e tem muita gente que está tranquila. Como eu disse, se essa proposta é clara e se o valor que eu espero da empresa combina com os meus valores, eu vou performar.
É necessário entender quais são esses atributos que os colaboradores valorizam para contar essas histórias para fora. Quando falo de contar essas histórias para fora, tem ‘n’ ativações, como qualquer ação de marketing. Aqui, no Brasil, a gente não vê, mas lá fora a gente está falando de rádio, televisão, jornal, ação no metrô, busdoor.
Aqui o que é mais comum? É rede social ter um site de carreira que faça sentido e que você possa contar suas histórias, ativação em universidades, feiras de universidades. É um público importante que está de trainee, agora está todo mundo no mundo virtual, então as empresas estão pensando como fazer eventos virtuais. Tudo o que impacta carreira, é marca empregadora. Como você vende e desperta o desejo das pessoas quererem trabalhar para você, é papel da Employer Branding.
Cassio Politi: Eu imagino que você tenha como ponto de partida um grande plano, mais ou menos como você faz num planejamento estratégico. Ou seja, um plano que dê a direção, o norte para o negócio. É mais ou menos isso?
Caio Infante: Exatamente. O que mais há de errado é a necessidade de conversão, que no caso é a contratação. As empresas querem enfeitar o anúncio de vaga, muitas vezes com um powerpoint que a pessoa imprime, transforma em JPEG e publica. São essas perguntas que, cada vez mais, os candidatos fazem: “por que eu vou trabalhar para sua empresa? O que tem a ver comigo? Que tipo de pessoa tem ali? Qual é a sua cultura? Quais são seus valores?”.
É muito mais do que vender uma vaga. Pensando no marketing tradicional, é exatamente a mesma coisa que um funil. Você tem de construir awareness e informar essa pessoa. Tem que despertar o desejo para finalmente ela candidatar à sua vaga. Não é nem que você vai contratá-la, só que as pessoas vão para o desespero de “poxa, preciso preencher a minha vaga”.
Quando a gente fala de estratégia, é um pouco disso. Você precisa construir uma reputação de marca. Leva anos — não leva semanas, nem meses. O papel da marca empregadora é exatamente esse.
Cassio Politi: Você criou o Employer Branding Brasil em paralelo à sua carreira como executivo justamente para que as pessoas entendessem o que é employer branding. Por isso, a gente começou aqui falando de educação do mercado sobre esse conceito. Eu fico imaginando aqui, Caio, que você deve, muitas vezes, se deparar com a seguinte situação: os caras vão olhar para isso sem saber profundamente do que se trata. E vão olhar employer branding como uma buzzword. Como é que você faz nessas situações que eu imagino que já devem ter acontecido? Como é que você argumenta que isso não é um nice to have, e sim um must have nas empresas?
Caio Infante: Muitas pesquisas — mais até globais do que nacionais — mostram quanto employer branding gera em resultado. Por exemplo, trabalhar de bermuda. As pessoas vendem isso como se fosse a coisa mais legal do mundo. Eu falo “isso não é employer branding porque ninguém vai escolher a sua empresa para trabalhar porque você pode trabalhar de bermuda, porque você pode levar o cachorro para o trabalho ou porque você pode tomar cerveja às 4 da tarde e jogar vídeo game. Tudo isso é legal, faz parte, é bacana, a gente incentiva, mas não é um diferencial competitivo. Quando vem uma pandemia e está todo mundo em casa, se era isso que você vendia como seu diferencial de marca empregadora, você perdeu. A gente teve muita polêmica na questão de educação porque as pessoas relutavam: “mas eu estou fazendo employer branding”. Eu falo: “olha, deixa eu te contar, isso não é employer branding”. Como em qualquer questão de educação, as pessoas precisam vivenciar um pouco mais.
Mas quero trazer alguns dados aqui. Tem uma pesquisa de 2010 — portanto, com mais de dez anos — que é muito interessante. Eles foram à Bolsa de Valores de Nova York, e estudaram empresas do mesmo seguimento. As que tinham uma boa reputação de marca e as que não tinham eventualmente nenhuma estratégia específica para cuidar da marca empregadora. E o resultado, no final de um ano, é que as ações valorizaram de 22% a 24% mais para aquelas que tinham boa reputação.
Porque é aquilo que você falou no começo: as pessoas que estão engajadas não vão deixar a companhia porque continuam produzindo felizes. Tem uma série de ganhos —financeiros, inclusive. Por isso que eu afirmo que não é oba-oba.
Qual é o custo de você perder um talento no meio de um projeto? Quanto custa quando um relacionamento que tinha um potencial cliente, um fornecedor que de repente se desmorona porque a pessoa vai embora e leva relacionamento, leva conhecimento, leva uma série de coisas?
Quando a gente olha aqui também a questão do nice to have ou must have, tem uma pesquisa recente da Spark, que é também uma agência de conteúdo específico de influência. Ela mostra o seguinte: 83% dos brasileiros compram de marcas que representam seus valores e ainda tem mais 62% que esperam que as marcas se posicionem. Então, volta em uma das minhas primeiras falas, que a marca corporativa se mistura com a empregadora e as pessoas esperam um posicionamento. Não só um posicionamento estratégico, o porquê eu deveria trabalhar na sua empresa, mas relativo a diferentes temas. Então, não dá para você ignorar isso. Tudo isso tem impacto.
Eu quero trabalhar na empresa que —vamos pegar um exemplo agora — durante a pandemia teve boas ações ou que ao longo da sua jornada teve ações legais para a comunidade. Ou, então, que é uma empresa com responsabilidade social, que tem projetos de sustentabilidade. Não tem certo ou errado nessa história, não tem julgamento. Quem vai definir se faz sentido ou não, se é melhor ou pior, é o candidato e o próprio colaborador. Faz sentido? Faz.
Não existe empresa perfeita com todos os atributos de marca. Ou você quer o status e também a hierarquia, ou você quer trabalhar de bermuda. Não tem como você agradar a todo mundo e tudo bem, acho que esse é um ponto de partida importante para entender quais são os atributos que tem como empresa para poder contar para o mercado.
Cassio Politi: Deixa eu dar meus dois centavos aqui também. Nessa mesma linha, um artigo agora de maio de 2020 de ninguém menos que a Forbes americana traz o seguinte título: “Por que um expert diz que o employer branding é essencial antes e depois da crise?”. No caso a crise é a pandemia. O artigo se baseia em dados de pesquisas feitas na Europa e nos Estados Unidos. Resumidamente, o texto afirma que mais da metade das pessoas valoriza mais a cultura do que o salário. Diz, ainda que 75% das pessoas não se candidatam a uma vaga de emprego se elas acharem que as empresas não têm os mesmos valores que elas. Aí vem uma pergunta para você, Caio: a empresa precisa se vender bem, mas “se vender” pode trazer consigo a ideia de pintar o cenário melhor do que ele é, não é?
Caio Infante: Sim, perfeitamente. Vou complementar um pouquinho. Tem que ser genuíno, transparente. Tudo precisa ser construído de dentro para fora. Você tem que perguntar para os seus colaboradores o que eles valorizam, e não o que você acha que faz sentido.
Por que isso? Antigamente, diziam que a nossa lei de conexões se baseava em cinco e agora dizem que são três. Você sempre vai conhecer ou você vai atrás de alguém que trabalha ou trabalhou na empresa. Quando você vende algo via marketing, pode até captar a atenção daquela pessoa.
Não dá para contar historinha. Não tem mais candidato bobo. As pessoas vão, sim, questionar e elas vão olhar o que estão falando e vão dizer: “você estava falando que tem oportunidade de carreira, mas aqui nesse site que eu olhei, de zero a cinco estrelas, você tem duas e tem um monte de gente comentando que acabou deixando a empresa porque ficou cinco anos e não teve nenhum tipo de promoção nem oportunidade”.
Cassio Politi: Você outro dia me contou uma coisa que eu achei interessante. Tem a ver com a coisa do cliente bobo, que é o desalinhamento entre os rankings. O ranking das melhores empresas para se trabalhar com as marcas mais admiradas. Quando você olha para o ranking Great Place to Work, existem, por exemplo, 100 melhores empresas para se trabalhar. Aí você vai em um ranking, por exemplo, da Interbrands Brasil e não vie as mesmas 100 empresas entre as marcas mais valiosas do mercado. Deveriam ser mais ou menos as mesmas 100 empresas, mas não é o que qcontece. Há essa desconexão. É nesse gap que o employer branding enxerga a grande oportunidade dele?
Caio Infante: Com certeza. Bem lembrado, a gente realmente conversou sobre isso. Quando a gente olha as dez melhores empresas para trabalhar, não tem a ver com as dez empresas mais consumidas ou Top of Mind do consumidor.
A gente deixa aqui para quem está nos ouvindo, pensa naquele shampoo que a mulher usa há 30 anos e da qual é fiel. Ou o homem ou mulher que gosta de tomar cerveja e é fiel a uma marca. Pensa naquelas dez marcas das quais você gosta muito, que você consome há muito tempo. Você, inclusive, defende algumas marcas marca, mas você nunca pensou em trabalhar para essas marcas. Você, aliás, nem sabe que tipo de pessoa ou cultura tem por trás delas. Por quê? Porque essa empresa nunca fez nenhum tipo de campanha pensando em marca empregadora.
Pense no quão mais fácil seria se eu, que já sou apaixonado por uma marca como consumidor, agisse assim: “poxa, tem uma vaga lá no meu perfil”. A chance de acontecer um casamento perfeito é muito maior, porque eu já tenho uma experiência legal com a marca. Se eu tiver uma experiência de trabalho incrível — e obviamente essa experiência tem que culminar com aquilo que eu espero —, essa pessoa vai ficar cinco, dez, vinte, trinta anos, além de multiplicar consumo, vestir a camisa da empresa.
Esse gap ele é gritante, vale a pena quem está nos ouvindo procurar um pouco desses rankings que você citou. É muito legal porque a gente vê às vezes empresas não tão conhecidas que trabalham bem a marca empregadora porque elas entenderam que isso vai fazer diferença para o negócio. Em geral, as grandes marcas de consumo não estão muito preocupadas com isso, e isso é curioso. Por que acontece? Porque você tem volume de candidatos, porque às vezes você é uma marca conhecida que de repente as pessoas até querem trabalhar naquela empresa.
Aí é que está: a quantidade não garante qualidade. No employer branding, inclusive, uma das métricas de sucesso é ter qualidade na contratação, candidatos com esse fit cultural, com esse perfil que combina.