Fundação para a Liberdade de Imprensa (FLIP) lança projeto que invade “desertos de notícias” na Colômbia. Iniciativa valoriza o trabalho do jornalismo local e conta com trabalho de María Camila Moreno
Por Silvia Higuera. Texto publicado originalmente no site do Knight Center for Journalism in the Americas
Quando a Fundação para a Liberdade de Imprensa (FLIP, na sigla em espanhol) da Colômbia completou seu projeto de três anos “Cartografias da informação”, o panorama do país era desanimador: 60% dos municípios analisados eram considerados “desertos de notícias”. Isso é, não tinham nenhum meio que produzisse informação local. Havia casos em que os meios existiam, como estações de rádio ou canais de televisão, mas estes ou eram nacionais ou eram exclusivamente de entretenimento.
Por isso, a FLIP sentiu a necessidade de criar um projeto que incentivasse a criação de informação local nestes lugares. Assim nasceu Ruedas Creando Redes (“Rodas Criando Redes”, em tradução livre). Trata-se de um laboratório de jornalismo móvel que durante os próximos dois anos chegará a 10 municípios considerados “desertos de notícias”.
“Sinto que Cartografias da Informação abre uma espécie de novo paradigma em termos da liberdade de imprensa, porque se a defendemos, é para procurar uma sociedade informada”, disse Pedro Vaca, diretor-executivo da FLIP, ao Knight Center for Journalism in the Americas. “Claro que se restringe essa sociedade informada quando há ameaças, assassinatos de jornalistas ou quando não se supera a impunidade, mas também se afeta esse direito à sociedade informada quando não há uma oferta de meios de comunicação, quando a restrição vem da não informação”.
Perto do povo
Pedro Vaca afirmou que a experiência de Cartografias lhes permitiu se aproximar de regiões não para documentar a violência, mas para documentar “dos pés à cabeça dos cidadãos”. “A verdade é que quando advertimos que há vários lugares do país onde embora as pessoas possam estar escutando a televisão e ver o que acontece em Bogotá, nem sempre têm a possibilidade de saber em que estado está a ponte que fica a um quilômetro de distância. Lá chega o projeto Ruedas”, acrescentou.
Chaparral, no departamento de Tolima, foi o primeiro município do “desertos de notícias” a receber o contêiner móvel equipado com o material necessário para cursos de jornalismo que abarcam todos os meios possíveis: desde rádio, passando pela televisão, até novas tecnologias, segundo explicou María Camila Moreno, pesquisadora do Centro de Estudos sobre Liberdade de Expressão da FLIP e coordenadora encarregada do projeto Ruedas Creando Redes. Para realizá-lo a FLIP conseguiu uma doação de US$ 198 mil do Fundo das Nações Unidas para a Democracia (UNDEF, na sigla em inglês).
O projeto vai trabalhar com cinco municípios do departamento de Tolima (Chaparral incluído) e cinco em Cesar, e em cada um deles o contêiner passará sete semanas. Várias características foram consideradas nessa escolha, disse María Camila Moreno. Os municípios participantes do projeto, além de serem desertos de informação, foram também priorizados nos acordos de paz entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Nestes municípios há diversos projetos sociais, explicou Moreno, razão pela qual eles são uma grande oportunidade para potencializar o laboratório de jornalismo.
Acordos de paz
Chaparral, por exemplo, é um dos lugares onde será aberta uma das 20 emissoras que foram estipuladas nos acordos de paz e serão compartilhadas entre o governo e ex-membros da Farc, explicou María Camila Moreno. Por isso, entre as 30 pessoas que fazem parte do projeto em Ruedas Creando Redes em Chaparral, estão algumas pessoas que vão trabalhar nesta emissora. De acordo com a pesquisadora, a ideia é que os participantes das aulas de jornalismo não sejam jornalistas, mas membros de organizações sociais, com processos organizativos “com trajetória em cada município”.
Em Chaparral, além das pessoas da emissora do acordo de paz, também estão jovens de uma página do Facebook que é referência no município, assim como mulheres de uma associação indígena, disse Moreno. Ela explicou que assim como preferem que não participem jornalistas de profissão, o laboratório está aberto a membros de organizações cujo objetivo não seja a comunicação em si: podem ser organizações ambientalistas ou coletivos de direitos humanos, por exemplo.
Chaparral receberá emissora fruto do acordo do governo com a Farc
Mas o contêiner busca ser muito mais do que uma sala de aula. Também se converteu em um lugar de encontro dos habitantes do município. “A ideia neste espaço é fazer duas coisas. Uma é o curso em produção de informação local. São 80 horas de aulas (…) não apenas teóricas, mas também práticas”, explicou Moreno. “E dois é que como o contêiner está no município esse tempo todo, e as aulas são apenas nos fins de semana, ele se converte em um espaço cultural do município. Não são apenas os 30 participantes do curso que o usam, mas todas as pessoas do município”.
Por exemplo, o contêiner em Chaparral foi usado para um curso sobre memória e história do conflito, houve uma exposição fotográfica da rede de mulheres, e para esta semana está programado um curso sobre jornalismo de humor com pessoas da Actualidad Panamericana, uma publicação satírica do país.
Cursos que se tornam realidade
A escola de jornalismo é realizada com altos padrões de jornalismo que garantam que os participantes proponham uma iniciativa de comunicação que seja transformada em realidade. Por exemplo, o plano de estudos foi realizado por Marcelo Franco, diretor do mestrado em jornalismo em uma escola de jornalismo na cidade de Cali e colaborador frequente da FLIP.
Embora a FLIP tenha uma pessoa no terreno, Carolina Arteta, outros cursos têm assessoria adicional. Por exemplo, a sessão sobre rádio e podcast foi ministrada por uma pessoa do Ministério da Cultura, e Juan Camilo Maldonado – do novo meio Mutante – vai ministrar o curso sobre novos meios. Também há aulas de modelos de autogestão.
O objetivo é oferecer ferramentas para seguir produzindo informação desde as organizações quando nós formos embora dos município”, disse María Camila Moreno. “Também que se criem redes – por isso o nome do projeto – entre as próprias organizações e os municípios e se comece a fazer um trabalho colaborativo entre as organizações. E que ao fim dos dois meses exista pelo menos uma iniciativa de comunicação que eles tenham sugerido”.
Informações locais
Essa iniciativa em “desertos de notícias” não necessariamente deve ser um meio de comunicação, mas precisa gerar informação local e poder ser apoiada pela FLIP. A entidade fará acompanhamento técnico e em alguns casos proporcionará os recursos para lançar a iniciativa. Embora tenha passado pouco mais de 15 dias do início de Ruedas Creando Redes, a avaliação é já muito positiva, disse María Camila Moreno. “As pessoas estão muito animadas, super conectadas com os cursos. Algumas organizações não vêm do zero porque tiveram programas em emissoras comerciais ou pagaram vez ou outra um espaço, mas estão adquirindo muitas ferramentas e por isso estão super motivadas”.
“Criou-se um grupo muito legal. Muitos vêm de vilas muito distantes, porque Chaparral é muito grande, alguns vêm [de lugares] a quatro horas [de distância] e fazem o percurso a cada sexta-feira ou sábado (…). Criou-se um ambiente muito bonito, e esse também é nosso interesse. Que essas redes entre eles sejam criadas”, acrescentou.
O apoio não tem vindo apenas da comunidade como tal, mas também das autoridades locais. Considerando que os municípios em que trabalharão também foram e são alguns dos mais afetados pelo conflito armado, o apoio destas que lhes dão maior segurança também é um tema prioritário.
Conversando com autoridades
Segundo María Camila Moreno, antes de o laboratório chegar a Chaparral, a FLIP falou com as autoridades do município e do departamento, e tiveram o apoio constante da Prefeitura e da Polícia Nacional, cujos membros fazem rondas constantes durante os cursos e outras atividades. “Tanto para os participantes como para nós existe um protocolo de segurança que foi formulado pela área de Coordenação de Atenção a Jornalistas”, explicou. “Aspectos chaves cada vez que os participantes saem de suas casas, quando voltam. Um monitoramento constante dos traslados, especialmente aqueles que estão fora do centro urbano”.
O contêiner que chegou a Chaparral no dia 14 de junho fica no local até 27 de julho. De lá, vai para Rioblanco, Planadas, Ataco e Cajamarca para encerrar o projeto em Tolima. Depois segue para Cesar.