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Seminário discute a garantia do respeito aos direitos humanos na internet

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Em 2014, o Brasil aprovou o Marco Civil da Internet, regra que estabelece direitos e deveres dos usuários da rede, que passou a ter como fundamentos legais o respeito à liberdade de expressão e aos direitos humanos, entre outros princípios. Enquanto a efetividade do direito à internet ainda depende da superação de obstáculos como a garantia do acesso, outros problemas emergiram, a exemplo da ampliação da presença de discursos violadores de direitos na rede. Apenas em 2016, a ONG Safernet recebeu denúncias contra 39,4 mil páginas virtuais. Do total, 17,6 mil foram acusadas de pornografia; 11,4 mil de racismo e 5,2 mil de ter conteúdos com incitação a crimes contra a vida.

Para discutir a situação dos direitos na rede, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) realizou, na terça-feira, 22, em Brasília, o Seminário Liberdade de Expressão e Direitos Humanos na Internet: em busca do equilíbrio.

“Não são poucos os episódios que nós vivenciamos atualmente que mostram o quanto esse ambiente é bastante elitizado e excludente e o quanto tem gerado, muitas vezes, a reprodução do discurso de ódio e até episódios dramáticos de incitação à violência”, disse a representante da Defensoria Pública da União (DPU) no CNDH e vice-presidenta do Conselho, Fabiana Severo. Para ela, “a questão que se coloca é como conciliar o direito fundamental à liberdade de expressão, que nos é tão caro à democracia, com forma de exercício desse direito que leve à promoção de outros direitos humanos”.

Liberdade de expressão

A discussão em questão tem relevância particular no Brasil, onde mais de 100 milhões de pessoas estão presentes no Facebook, segundo dados da empresa, de 2016. Mensagens com ameaças de morte e exposição de fotos íntimas sem consentimento são algumas das situações que evidenciam esse limite à exposição de conteúdos.

O procurador Domingos Neto, coordenador do Grupo de Trabalho Comunicação Social da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), defendeu que, “para garantir a liberdade de expressão e para que a internet possa ser realizador dos direitos humanos, é preciso que a gente tenha instrumentos para que não haja tolerância com os intolerantes”. Casos recentes, como a circulação de discursos neonazistas e de mensagens racistas, foram apontados como exemplos de discursos intolerantes.

Na opinião das organizações presentes, não se trata de restringir a liberdade, mas de equilibrar direitos. Integrante da Proteste e do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), a advogada Flávia Lefèvre destacou que a própria Constituição Federal estabelece a proporcionalidade dos direitos diante de possíveis casos de colisão entre eles. Por exemplo, se a manifestação de ideia agredir outros direitos, é preciso analisar qual princípio deve prevalecer, tendo em vista o necessário equilíbrio dos direitos individuais com os anseios da sociedade. No caso de qualquer restrição à liberdade de expressão, ela deve ser prevista em lei, ter objetivo legítimo e ser necessária para o fim que se pretende, acrescentou Laura Tresca, da organização Artigo 19.

Grupos vulneráveis

Também integrante do CNDH, o membro da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) Carlos Magno relatou que “o mundo online é muito importante para a população LGBT, porque é lá que a gente tem encontrado rede de acolhimento, de sociabilidade, mesmo que virtual, porque a gente sempre foi, historicamente, muito excluído. Mas, contraditoriamente, também é mundo de muita violência, campo aberto à violação de direitos, à discriminação e à violência”, como a proliferação de discursos que associam a homossexualidade à pedofilia ou a desqualificação de pessoas que expõem sua orientação na rede.

Do mesmo modo, nos últimos anos as mulheres têm ocupado as redes para defender seus direitos e também para organizar sua intervenção nas ruas. “A internet tem sido espaço importante de articulação para as mulheres, mas que torna as mulheres mais vulneráveis à violação”, ponderou Tandara Santos, integrante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM). Para ela, os comportamentos na rede reproduzem desigualdades que estruturam a sociedade, como, por exemplo, a presença de pornografia não deve ser entendida “como uma questão da internet, mas como expressão da mercantilização da mulher, da falta de autonomia e controle das mulheres sobre seus corpos”.

Representante do Instituto Alana, Renato Godoy destacou duas questões que afetam diretamente crianças e adolescentes: a publicidade na rede e o uso de dados pessoais para fins mercadológicos. No caso da publicidade, a prática de direcionar propagandas para crianças, presente na televisão e considerada como abusiva pelo Alana, foi levada para a internet. Em busca de formas de dialogar diretamente com o público infantil, empresas privadas passaram a comercializar seus produtos por meio de anúncios divulgados pelos chamados “youtubers mirins”, que são crianças que mantêm canais no YouTube.

Segundo pesquisa da ESPM Media Lab, entre os 100 canais de maior audiência dessa plataforma, 36 abordam conteúdo direcionado ou consumido por crianças de zero a 12 anos. “O mercado enxerga uma forma de dialogar diretamente com essa criança, com o público infantil”, mas essa “é uma prática de negócios que viola direitos”, avalia Godoy.

Godoy disse ainda que há denúncias do uso de dados pessoais das crianças. Em maio deste ano, 25 organizações, entre grupos brasileiros e internacionais, enviaram carta ao Facebook, após notícias de que a rede coletaria dados para mapear os sentimentos das crianças e direcionar mensagens comerciais a elas. O Facebook negou realizar esse tipo de atividade e disse que a presença de crianças na rede é vetada. Não obstante, pesquisa TIC Kids Online Brasil 2015 revelou que 50% das crianças entre nove e dez anos que responderam à enquete afirmaram ter perfil no Facebook. Para as organizações, é preciso que a rede dê transparência às suas práticas, especialmente no trato dos dados das crianças e dos adolescentes.

Responsabilização

A criação de novas leis que versem especificamente sobre a prática de crimes na internet foi criticada pelos presentes. Isso porque as regras do direito penal brasileiro também valem para o ambiente virtual. “Eu me coloco contrário à ideia de que se possa buscar, por meio do punitivismo, resolver problemas na internet. A gente já tem tipos penais que proíbem assassinatos, feminicídios, por exemplo”, explicou Paulo Rená, do Instituto Beta para Internet e Democracia (Ibidem).

“É preciso buscar saídas para garantir que a internet não seja ambiente penal, criminal, que viole nossa privacidade, por exemplo, mas que promova direitos humanos”, concordou Kimberly Anastacio, da organização Coding Rights. Kimberly alertou para o crescimento da vigilância praticada por governos ou empresas, sob o argumento de garantir mais segurança, protegendo a população, por exemplo, de atos terroristas. Para ela, a saída passa pela aplicação das leis já existentes no ambiente digital, bem como pelo desenvolvimento de ações que gerem empoderamento dos próprios usuários da rede, como o uso de aplicativos criptografados.

O seminário também discutiu o papel das plataformas no combate às violações de direitos e na responsabilização de infratores. O Marco Civil da Internet estabelece, no artigo 19, que “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”. Na prática, empresas de redes sociais, por exemplo, devem, após ser acionadas judicialmente, retirar conteúdo que viole direitos que tenha sido postado por qualquer usuário.

Diante desses problemas e de outros, como a proliferação de notícias falsas, duas das principais empresas que atuam na rede, o Facebook e o Google, anunciaram mudanças em suas regras recentemente. No caso do Facebook, a empresa criou grupo para combater as chamadas fake news. Já o Google mudou seus algoritmos para tornar mais difícil o acesso a informações consideradas “de baixa qualidade”, como aquelas postadas por páginas que apresentem “teorias da conspiração”, conforme consta nas diretrizes do maior buscador da rede.

As iniciativas exclusivas das empresas preocupam as organizações da sociedade civil, que temem controle e censura. “É muito perigoso que a sociedade entregue para essas organizações privadas, com regras que são criadas por essas pessoas brancas, héteros, do vale do Silício [região onde estão localizadas as principais empresas de tecnologia] o poder de decisão sobre o que é um discurso censurável ou não na sociedade”, alertou Patrícia Cornils, representante da Actantes, organização que defende o direito à privacidade na internet.

“A solução tem que passar por colocar todo mundo na mesa para discutir política, discutir algoritmos, levar as plataformas a dar transparência às ações que elas estão adotando”, defendeu Mariana Valente, integrante do grupo de pesquisa Internet Lab. Essa visão está baseada na premissa da multisetorialidade da governança da internet. Isto é, no envolvimento de governos, empresas e sociedade civil na gestão e definição de políticas para a rede.

*Edição: Fernando Fraga

*Helena Martins – Repórter da Agência Brasil

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Agência Brasil

Agência pública de notícias criada em 1989, logo após a incorporação da Empresa Brasileira de Notícias (EBN) pela extinta Empresa Brasileira de Comunicação (Radiobras). Em 2007, com a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que incorporou a Radiobras, passou a integrar o sistema público de comunicação.

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