Especialistas ouvidos nesta terça-feira (31) pelo grupo de trabalho da Câmara dos Deputados que analisa o chamado “PL das fake news” (PL 2630/20 e apensados) questionaram a exigência de que os provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada tenham sede no Brasil. Já a exigência de representantes legais no País dividiu a opinião dos debatedores.
Diretora do Instituto de Referência em Tecnologia e Sociedade (Iris), Luiza Brandão foi uma das que manifestou preocupação com a exigência contida no artigo 32 do projeto. “A obrigação de sede não é necessária e pode inclusive prejudicar o Brasil na economia global digital e significaria retrocessos de séculos na construção legislativa e nas relações internacionais”, apontou. Para ela, a obrigação de ter representantes legais também tem eficácia duvidosa, coloca empecilho ao caráter global da internet e é de difícil execução.
O artigo 32 do projeto de lei também prevê que as empresas deverão garantir o acesso remoto, a partir do Brasil, aos seus bancos de dados, os quais conterão informações referentes aos usuários brasileiros. “A garantia de acesso remoto não soluciona a coexistência de jurisdições e pode dificultar a colaboração entre países”, avaliou a diretora do Iris. Para ela, o caminho é investir mais nas trocas diplomáticas.
Advogada especialista em Direito Digital, Patrícia Peck concorda que a obrigação de sede geraria retrocesso do ponto de vista econômico e da competitividade internacional. “Podemos ter outros caminhos, como a obrigação de representante legal”, ponderou. Ela lembrou que tanto o Marco Civil da Internet como a Lei Geral de Proteção de Dados já alcançam empresas com sede fora do País. Para ela, a grande questão é tornar essas leis efetivas e exigir que as empresas cumpram a legislação brasileira.
O relator da proposta, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), questiona justamente como fiscalizar a aplicação da lei e impor eventuais penas se as empresas não têm representação no Brasil. “Tem serviço de mensagem que não tem qualquer tipo de diálogo com o Estado brasileiro. Nós podemos apenas observar e assistir inertes à difusão de desinformação de temas que por vezes até alcançam a saúde pública”, observou.
Coordenadora do grupo de trabalho, a deputada Bruna Furlan (PSDB-SP) defende a exigência de representação no Brasil. “Acho que deve ter sede sim no Brasil, porque precisamos ter a quem recorrer quando um crime ou uma violação de direitos é cometida.” Já o deputado Rui Falcão (PT-SP), um dos que pediu a audiência, acredita que o artigo deve garantir o acesso do Brasil a dados dos usuários e prever multa e advertência para países que descumpram a regra.
A procuradora da República Fernanda Domingos, coordenadora do Grupo de Apoio sobre Criminalidade Cibernética do Ministério Público Federal (MPF), concorda que a exigência de sede nacional traz prejuízos para o Brasil, mas defende a necessidade de apontarem representantes legais no País. “O fato de existir essa exigência já responsabiliza aquele provedor por não poder se escusar de prestar informações, como tem acontecido”, frisou. Para pequenas empresas, ela acredita que possa ser indicada uma associação que as represente.
Fernanda Domingos sugeriu ainda a criminalização do financiamento e da organização destinada ao cometimento de atos ilícitos. Ela defende que a lei inclua a obrigação de as plataformas de redes sociais informarem ao MPF ou a outras autoridades indícios de cometimento de crimes, como no caso de pornografia infantil, para que medidas possam ser imediatamente tomadas.
Sobre a possibilidade de provedores requererem a apresentação de documento de identidade do usuário em situações como indícios de conta inautêntica, prevista no artigo 7ª, a procuradora destacou que “não é o fato de a conta ser inautêntica o problema, mas a sua utilização para fins ilícitos, para cometimento de crimes e fraudes”. Ela observou que as contas inautênticas também são utilizadas por ativistas políticos para evitar perseguições e, por isso, o artigo deveria ter ressalva quanto à utilização regular dessas contas.
Fernanda Domingos defendeu ainda que o Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet tenha também representantes da magistratura e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Pelo projeto de lei, o órgão será responsável pelo acompanhamento das medidas previstas na norma e terá 21 conselheiros, inclusive um do Conselho Nacional do Ministério Público.
O presidente da Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação do Distrito Federal (Assespro/DF), Rodrigo Fragola, sugeriu a supressão do artigo 7ª e o aprimoramento dos dispositivos que tratam do Conselho de Transparência. Ele pede mais representantes da sociedade civil no órgão e observa que, pelo texto atual, o conselho tem competências concorrentes com Agência Nacional de Proteção de Dados.
Fragola defendeu ainda o aumento das penas para quem produz e divulga notícias falsas, a criação de juizados especiais digitais para apuração desses crimes, o aumento da educação digital e maior transparência quanto aos conteúdos pagos e impulsionados. Além disso, para a Assespro, o projeto precisa ter uma definição mais clara do que é fake news ou desinformação, alinhada com o Marco Civil da Internet, com a Lei Proteção de Dados e com os acordos internacionais.
“A legislação deve ser mais objetiva e simples, evitando questões técnicas e específicas, se aproveitando de parte da legislação já existente, para evitar conflitos”, sugeriu. Ele teme a postergação da discussão pelo Congresso e a regulamentação do tema pelo governo federal em normas infralegais.
Já a professora da Universidade de Brasília (UnB) Laura Schertel Mendes criticou o artigo 10º da proposta, que trata da rastreabilidade das mensagens e que, para ela, não será eficaz para combater a desinformação e pode violar o direito à proteção de dados e o sigilo das comunicações. “Me chama a atenção a desproporcionalidade de colocar milhares de pessoas em suspeita nessa cadeia de rastreabilidade”, disse.
O artigo, que também gerou polêmica em audiências anteriores do GT, prevê que os serviços guardem os registros dos envios de mensagens encaminhadas em massa por três meses, resguardada a privacidade do conteúdo das mensagens, que só poderá ser acessado por ordem judicial. Pelo texto, “encaminhamento em massa” é o envio de uma mesma mensagem por mais de cinco usuários em um intervalo de até 15 dias, para grupos de conversas ou listas de transmissão, e que alcancem mais de mil pessoas.
O chefe do Departamento de Competição e de Estrutura do Mercado Financeiro do Banco Central, ngelo Duarte, defendeu que a legislação permita a inovação. Ele destacou que cerca de 2/3 das transações financeiras são realizadas pelo celular e que elas vêm crescendo. “Só no ano passado, houve crescimento de 40%, muito em função da pandemia”, disse. Ele apontou ainda queda das transações feitas pelo computador e observou que menos de 10% são feitas por canais físicos.
*Reportagem de Lara Haje, com edição de Rachel Librelon, originalmente publicada na Agência Câmara.
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