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Exclusivo: Américo Martins, diretor da BBC para Europa e Américas, fala dos desafios de comandar quase 500 jornalistas

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Portal Comunique-se publica entrevista exclusiva com Américo Martins. Desde junho, o brasileiro lidera uma equipe composta por quase 500 jornalistas da BBC. Ele é o diretor do serviço da empresa de mídia para a Europa e as Américas

A história de Américo Martins com a BBC é de longa data. Depois de iniciar a carreira na Folha de S. Paulo e passar pelo Jornal do Brasil, ele encarou o desafio de se mudar para Londres e trabalhar na empresa britânica. Foram 13 anos de parceria, de 1998 a 2010. Após retorno ao Brasil, onde liderou o departamento de jornalismo e esportes da Rede TV e foi diretor-presidente da EBC, o comunicador-gestor retomou a trajetória profissional com a British Broadcasting Corporation, o que ocorreu em setembro de 2016.

Menos de dois anos após sua volta à BBC em Londres, Américo Martins teve o seu trabalho reconhecido. De editor de parcerias mundo a fora, foi promovido, em junho deste ano, a diretor do serviço mundial da empresa de mídia para Europa e Américas. Justamente sobre a nova função, o jornalista e executivo conversou de forma exclusiva com a reportagem do Portal Comunique-se. Entre outros assuntos, ele fala dos desafios de liderar uma equipe composta por cerca de 500 comunicadores, a busca por audiência com conteúdo de qualidade, investimento em sucursais, a luta contra as fake news e compara a imprensa brasileira com a estrangeira.

Confira, abaixo, a entrevista com Américo Martins:

Desafios na imprensa internacional

Como é para um jornalista brasileiro dirigir o serviço de notícias da BBC para a Europa e as Américas?
Trata-se de um desafio profissional enorme e único. A BBC é uma das maiores e mais importantes empresas de comunicação do mundo. Tem uma credibilidade praticamente sem paralelo. Operamos no mundo inteiro, em diversas línguas, há mais de 80 anos. Ser o responsável pelas operações jornalísticas da empresa nos dois continentes onde a mídia é mais desenvolvida, a Europa e as Américas, é um motivo de grande orgulho. É uma grande oportunidade e uma enorme satisfação profissional. Mas eu sei que o desafio é imenso.

Quais as suas principais atribuições na função?
Neste posto, sou responsável pela elaboração e implementação de estratégias para os diversos mercados onde operamos nos dois continentes. A direção editorial é, sem dúvida, a mais importante. Mas as responsabilidades passam também pela parte de administração de pessoal, orçamentos, desenvolvimento de negócios, estratégias comerciais, desenvolvimento digital e tecnológico, entre outras áreas.

entrevista com americo martins - diretor da bbc - perfil
Em duas passagens, Américo Martins já soma mais de 15 anos na BBC (Imagem: arquivo pessoal)

Mas uma das grandes vantagens de trabalhar numa empresa estruturada como a BBC é a possibilidade de contar com o apoio de grandes profissionais em todas esses setores. Todas as equipes que operam na Grã-Bretanha e nos dois continentes são muito motivadas e extremamente profissionais. Temos alguns dos melhores profissionais do mundo em cada uma dessas áreas. Fazemos um forte trabalho em equipe que dá excelentes resultados.

“Temos alguns dos melhores profissionais do mundo em cada uma dessas áreas. Fazemos um forte trabalho em equipe que dá excelentes resultados”

No cargo de diretor das Américas e Europa desde o fim de junho, quais os principais desafios que você vê daqui para frente? Há ideias de pautas e abordagens especiais para o público que é responsável por 65% da audiência digital global da BBC?
O maior desafio é ampliar cada vez mais nossas audiências em cada mercado onde operamos. Além disso, precisamos manter a qualidade editorial única da BBC. Esses dois objetivos exigem muita dedicação e trabalho. Os mercados em todo o mundo estão cada vez mais competitivos. É difícil conseguir grandes saltos na audiência, especialmente quando você compete com grandes empresas nacionais em cada mercado.

Somos muito bem sucedidos em termos de audiência nos dois continentes, mas precisamos crescer ainda mais. No lado editorial, não podemos relaxar nunca. Precisamos estar atentos o tempo todo, buscando sempre fazer o jornalismo mais independente, preciso e objetivo. Não há descanso.

Ao todo, quantos jornalistas e demais profissionais estão sob seu guarda-chuva?
Quase 500 jornalistas da BBC trabalham nas Américas e Europa e respondem à minha diretoria. Além disso, temos vários profissionais de outras áreas que trabalham em conjunto com nossas equipes. Temos mais de 10 sucursais espalhadas pelos dois continentes e dezenas de correspondentes trabalhando em vários países nas duas regiões. E uma grande operação, claro, aqui na sede, em Londres, onde eu fico. Entre as maiores sucursais da BBC nessas áreas estão Moscou, Washington, São Paulo e Miami. Entre as menores, mas não menos importantes, estão nossas operações em lugares como Cuba, Venezuela, Azerbaijão e Sérvia. Todos fazendo diferença em seus mercados.

“O maior desafio é ampliar cada vez mais nossas audiências em cada mercado onde operamos”

Existe perspectiva para novas contratações?
A BBC passou recentemente por um grande processo de expansão, com a contratação de cerca de 1.200 novos profissionais no mundo todo. Criamos departamento em novas línguas e expandimos muito nossas operações. Foi o maior ciclo de expansão internacional da BBC desde a década de 1940. Então, o maior ciclo de contratações já foi concluído. Mas sempre existem oportunidades. No Brasil e da América Latina, estamos concluindo agora as últimas contratações na área de vídeo digital. No caso europeu, tivemos uma forte expansão na Rússia e em outras partes do Leste Europeu. Algumas novas vagas também esperam, no momento, para serem preenchidas por lá.

Pensando nas sucursais espalhadas por esses continentes, qual a possibilidade de ampliar essas bases?
Em termos de futuro, eu gostaria muito de fazer uma expansão significativa no México, onde temos uma sucursal pequena. O México é um dos países mais importantes e interessantes do continente. Tem muitas histórias importantes que precisam ser contadas. Por exemplo: quero que o lado mexicano tenha muito peso nas coberturas da BBC sobre as questões migratórias ou de violência na fronteira com os Estados Unidos. A imprensa mundial tende a cobrir tudo muito com o foco norte-americano. Mas o caso da imigração é muito mais amplo e precisa ser contado por todos os lados…

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Américo Martins nos tempos de superintendente de jornalismo e esportes da Rede TV (Imagem: divulgação)

Na Europa, sem dúvida, a Rússia é o maior desafio. Pretendo dedicar muito do meu tempo a alavancar nossas audiências no país. Temos hoje provavelmente o melhor time de jornalistas russos já montado por uma única empresa jornalística. Eles fazem um grande trabalho e tenho muito orgulho de contar com eles.

O México é um dos países mais importantes e interessantes do continente. Tem muitas histórias importantes que precisam ser contadas

Na condição de diretor da BBC e de jornalista experiente, como você avalia a questão das fake news
As notícias falas não são exatamente um fenômeno novo, mas são um dos grandes problemas do jornalismo atualmente. Precisamos valorizar muito, mesmo, o jornalismo profissional de qualidade. Essa é a melhor maneira de combater as fake news.

O que pode ser feito pela BBC para combater esse mal?
A BBC está determinada a combater as fake news, por meio de várias iniciativas. Criamos, já há alguns anos, um departamento inteiro chamado Reality Check. Como o nome indica, são jornalistas da BBC especializados em checar informações controversas e desmitificar as fake news. O trabalho tem tido muito êxito –tratando tanto de notícias puramente britânicas como internacionais. Além disso, estamos investindo muito em projetos de media literacy –ou seja, em como ajudar as pessoas a entenderem melhor como o jornalismo é produzido, para poder identificar por elas mesmo o que é fake news ou não. Uma terceira iniciativa é um trabalho muito forte com escolas e estudantes secundaristas para que eles também tenham os meios de julgar o que é fake news ou não.

Pretendemos espalhar todas essas iniciativas pelo mundo todo, inclusive no Brasil. E podemos e queremos trabalhar com outras empresas sérias ao redor do mundo para combatermos juntos as fake news. Essa é uma missão de toda grande empresa séria de jornalismo. Mas, de novo: nada substitui o jornalismo de qualidade. Este continua sendo o melhor antídoto para as notícias falsas.

“Criamos, já há alguns anos, um departamento inteiro chamado Reality Check”

Falando exclusivamente do Brasil, como você avalia o trabalho feito atualmente pelo serviço local da BBC? O que pode ser melhorado? O que está caminhando bem? Ideias de players para se tornarem parceiros?
A BBC News Brasil é, sem dúvida, uma das melhores equipes que temos no Serviço Mundial da BBC. Tem sido assim por muito tempo. Eles têm a segunda maior audiência entre todas as 41 línguas estrangeiras em que a BBC opera (o inglês, claro, fica em outra liga). A diretora da BBC News Brasil, a Silvia Salek, é uma das grandes líderes editoriais da BBC. Ela dirige com grande sucesso uma equipe brilhante, com alguns dos melhores profissionais do jornalismo braileiro. Eu tenho muito orgulho deles, do trabalho da BBC News Brasil.

Eles entendem muito bem o papel que têm no mercado brasileiro, que tipo de material devem produzir, como se destacar e como ampliar a audiência. E sabem como proteger a marca da BBC num mercado totalmente polarizado como o brasileiro. Acho que estamos dando uma grande contribuição para a democracia no Brasil nesses tempos de tanto tumulto político. A BBC News Brasil é um exemplo que pretendo usar para promover mudanças em outras áreas da região.

Olhando a mídia brasileira

Por falar do Brasil, em quais fatores a sua experiência como superintendente de jornalismo da Rede TV e diretor-presidente da EBC auxiliaram no seu retorno à BBC?
Eu já tinha um longo histórico na BBC, onde trabalhei por 13 anos, de 1997 e 2010. Por aqui, já tinha feito muita coisa. Fui diretor da BBC Brasil e editor-executivo das Américas. Dois cargos de destaque na nossa estrutura. O curioso é que eu já tinha na minha cabeça que gostaria de voltar um dia à BBC, depois da experiência pelo Brasil. Eu admiro muito a empresa e sua linha editorial de independência completa. Fiquei muito feliz de ter conseguido voltar e, rapidamente, ser promovido para esse cargo importante nas Américas e Europa.

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Américo Martins também já foi diretor-presidente da EBC (Imagem: Valter Campanato Agência Brasil)

Mas, claro, a experiência que ganhei fora da empresa, trabalhando num mercado competitivo como o brasileiro ajudou muito na minha volta. Hoje, eu entendo muito melhor como funciona o mercado de televisão, como operam as empresas comerciais e como é sangrenta a disputa por audiência no ambiente nacional. Ter sido presidente de uma grande empresa de comunicação pública também me deu muita experiência administrativa, coisa que me ajuda muito agora – quando sou responsável por equipes operando em vários países diferentes. Esses são diferenciais que acredito ter dentro da empresa.

“A experiência que ganhei fora da empresa, trabalhando num mercado competitivo como o brasileiro ajudou muito na minha volta”

Com a experiência em cargos de gestão da BBC e com o olhar de quem soma anos de trabalho e vida no exterior, em que a imprensa brasileira pode aprender com a mídia internacional?
Em geral, admiro muito a mídia brasileira – a mídia de qualidade, claro. Temos muitos problemas. Mas as empresas de comunicação brasileiras operam num mercado muito complicado, competitivo e, às vezes, sem a maturidade de outros países mais desenvolvidos. Acredito que a mídia brasileira deveria estar cada vez mais comprometida com os valores básicos do jornalismo de qualidade – como acontece com as grandes empresas internacionais. Não acredito em nenhuma outra fórmula. O jornalismo de qualidade tem que ser independente, plural, apartidário, equilibrado, sóbrio e responsável. Qualquer coisa fora disso, não funciona. Ou não é jornalismo propriamente. E o Brasil e sua democracia dependem muito desse jornalismo de qualidade.

E ao contrário: o que jornalismo brasileiro pode ensinar para veículos estrangeiros?
A principal lição do jornalismo brasileiro para as empresa internacionais é a capacidade de fazer muito com pouco. As estruturas das empresas brasileiras tendem a ser muito enxutas na comparação com os grandes veículos internacionais. Mas isso não pode ser uma desculpa para a precarização ou para o improviso. Jornalismo de qualidade precisa de estrutura e de investimento.

“Acredito que a mídia brasileira deveria estar cada vez mais comprometida com os valores básicos do jornalismo de qualidade”

No Brasil, a BBC conta há anos com o trabalho do jornalista inglês Tim Vickery, que, inclusive, é “Mestre do Jornalismo” do Prêmio Comunique-se. Qual a possibilidade de o país contar com a presença de mais correspondentes estrangeiros (sejam da Europa ou de outros países da América)?
Admiro muito o trabalho do Tim. Sempre gostei, embora não o conheça pessoalmente (a BBC é uma empresa enorme e não dá para conhecer todo mundo). O Tim cobre em especial uma área que eu gosto muito, que é o futebol. Um tema muito importante sobre o Brasil. Também amo o futebol – embora torça para um time que está quase acabando, a Portuguesa de Desportos (risos).

A BBC já conta com muitos profissionais estrangeiros e locais fazendo a cobertura do mundo todo. Quero que eles trabalhem cada vez mais juntos. É importante ter uma “visão estrangeira” às vezes. Mas também é importante mostrar uma visão local, por meio do talento dos jornalistas de cada país. A BBC é uma empresa global, especialmente o nosso Serviço Mundial. Por isso, vários ângulos são precisos.

“Admiro muito o trabalho do Tim [Vickery]. Sempre gostei, embora não o conheça pessoalmente”

A BBC Brasil é forte no online, com site e presença nas redes sociais. A empresa, contudo, carece de veículos próprios em outras mídias. Como você analisa a possibilidade de ter um canal da TV por assinatura e arrendar a programação de uma estação de rádio?
A BBC é muito forte no ambiente digital e queremos ampliar isso. Mas, claro, podemos discutir outras fórmulas e soluções – no Brasil e em outros mercados. Alías, pretendo explorar cada vez mais oportunidades comerciais nas áreas de atuação da minha diretoria, no Brasil, na América Latina e na Europa.

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Anderson Scardoelli

Jornalista "nativo digital" e especializado em SEO. Natural de São Caetano do Sul (SP) e criado em Sapopemba, distrito da zona lesta da capital paulista. Formado em jornalismo pela Universidade Nove de Julho (Uninove) e com especialização em jornalismo digital pela ESPM. Trabalhou de forma ininterrupta no Grupo Comunique-se durante 11 anos, período em que foi de estagiário de pesquisa a editor sênior. Em maio de 2020, deixou a empresa para ser repórter do site da Revista Oeste. Após dez meses fora, voltou ao Comunique-se como editor-chefe, cargo que ocupou até abril de 2022.

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